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Persona e mentalidade de um Recriador Histórico

  • Foto do escritor: InfoBlog de JD
    InfoBlog de JD
  • 20 de mai. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 2 de jun. de 2019

A recriação histórica não é vestir uma túnica e começar a assar porcos inteiros no espeto. É imprescindível muita investigação histórica e aprender a separar as opiniões dos factos.

Mas geralmente, o recriador está limitado ao seu orçamento, o que vai afectar a sua qualidade do seu trabalho. Quantas vezes recebemos agrados do público e depois quando observamos as fotos do nosso trabalho e verificamos algumas falhas derivadas do pequeno orçamento, que quase ninguém reparou ou deu importância. Dói cá dentro não termos a capacidade de instruir totalmente o público por falta de orçamento. JD

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Artigo original de António Lopo, no seu Blog Anno 1471 :


" A primeira coisa que um aspirante a recriador tem de fazer é delimitar-se a si próprio. Ninguém pode fazer tudo, afinal de contas (não há nem tempo, nem meios). Esta delimitação é feita através de uma escolha de parâmetros relativamente simples: um recriador tem de se limitar a uma geografia, uma época, e um contexto social específico. Isto é a base de uma persona histórica.

Embora não seja 100% indispensável a um recriador, desenvolver a fundo uma persona histórica, ou seja, de uma identidade histórica alternativa para recriação, é um grande auxílio para assegurar que estamos a retratar a época escolhida de forma fiel e autêntica. Que pode uma pessoa de determinada classe ou época vestir? Que pode usar como acessórios? De que maneira se comporta uma pessoa de 1470? Como vive, como trabalha, como se alimenta, em que crê? Quanto mais detalhadas as perguntas que colocamos à persona que criamos, mais necessária será a pesquisa que fazemos, mas também mais rigorosa a nossa caracterização e as escolhas de equipamento que nos são permitidas.

Como exemplo prático, eis a biografia que esbocei para a minha persona:

O meu nome é Antonio Lopo. Sou um dos pequenos homens-bons de Leiria. Os meus pais pereceram na última peste de 1468 [1], pelo que herdei a casa de um sobrado, com lagar e um reduzido olival, que exploro com recurso a mãos contratadas. Como comerciante de azeite (vendido a cerca de 40 dinheiros o alqueire, na região) [2] com um mínimo de posses, estou listado como acontiado pelo concelho, e portanto obrigado a ter armas e a servir militarmente. Embora esteja, pelos meus terrenos, na categoria de acontiado de cavalo raso, não tenho meios suficientes para manter cavalo, pelo que o concelho da vila pediu ao governador d’El-Rey dispensa da minha montada, tal como se fazia nos concelhos de Lisboa, Porto e Tavira [3], estando no entanto obrigado a apresentar arnês e armas.

Pode parecer coisa pouca, mas é mais do que suficiente para delimitar convenientemente o meu equipamento. Para um homem jovem nesta classe média e nesta época, por exemplo, dita toda a pesquisa que o vestuário consiste num gibão, numas calças com braguilha, numa camisa e num par de bragas (roupa interior). A isto se acrescenta  um chapéu (um sombreiro, por exemplo; uma caraminhola ou, em caso de extravagância máxima, um capeirote), e uma jórnea, ou um tabardo, ou um casaco. Sendo alguém minimamente abastado, faria uso de tecidos de boa qualidade (lãs, portanto, e linhos) no vestuário, mas não de tecidos ricos (sedas, brocados) ou pormenores decorativos caros (debruns a pele, por exemplo, que demais a mais são tidos como ilegais pelas leis sumptuárias da época).  Teria acessórios bem-feitos mas sem grandes luxos (ou seja, nada de decorações extravagantes de ouro ou de prata, reservadas às classes altas pelas leis supracitadas). O próprio calçado seria moderadamente simples, sem grande aparato: sapatos mais rasos de couro, botas ou borzeguins.

E isto apenas em relação ao vestuário. Na vertente militar, a minha condição económica não me permitiria nunca adquirir um arnês branco, por exemplo (fato de armadura completo), ou armas de demasiada qualidade. Do mesmo modo, sendo um português leiriense, delimita-se também a escolha de armamento disponível (sendo Portugal um grande centro de importação de armamentos da Flandres, de influência francesa e italiana, dificilmente se conseguiriam arranjar peças no chamado estilo Gótico ou Alemão, cheias de caneluras – excepto para os mais abastados).

Como se pode ver, em apenas algumas linhas é possível conceber uma persona rica o suficiente em pormenor para nos permitir avançar sem medos com um projecto de recriação. Mas não é necessário todo este esforço logo de início para conceber uma persona – bastam apenas algumas perguntas simples. Assim, em jeito de formulário:

Qual o meu nome?

Que idade tenho?

Qual a minha classe social?

Qual a minha ocupação?

De onde venho?

Estas questões básicas podem depois ser complementadas por outras, mais complexas:

Que nível de educação tenho?

Em que acredito?

Como é que a minha ocupação/trabalho me afecta?

Outras perguntas se poderiam adicionar, mas com estas oito perguntinhas apenas tem-se tudo o que é necessário para criar uma persona histórica coerente, e lançar as bases de uma boa pesquisa.

Por fim, é sempre bom recordar que uma persona não é estática – cresce e desenvolve-se connosco. E, caso nos fartemos (ou arranjemos meios para tal), podemos sempre criar novas personas para novos tempos ou novos eventos.

Boa sorte, e boa recriação!"

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