Os "trons" e o aparecimento da artilharia de fogo em Portugal
- InfoBlog de JD
- 13 de jun. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de out. de 2021
Um artigo original de 'Repensando a Idade Média':
Os "trons" e o aparecimento da artilharia de fogo em Portugal (séculos XIV e XV).
Um "tron", no dicionário português medieval, era o nome que na época se dava, por onomatopeia, às bocas de fogo, pois imitavam o estampido de um trovão. Muito provavelmente englobava todo o tipo de artilharia, especialmente as bombardas. Esse nome faz ainda mais sentido se pensarmos que o efeito dessa artilharia num cerco ou no campo de batalha era muito mais sonoro e psicológico do que propriamente destruidor.
O seu uso em Portugal não foi consensual nos seus primórdios, os comandantes militares lusos não confiavam de todo na capacidade desta arma ter algum impacto efectivo numa batalha em campo aberto estando relegado para operações de cerco a fortalezas, e mesmo assim sendo muitas vezes preterido em favor dos trabucos e manganais, engenhos de guerra neurobalísticos muito mais fiáveis.

O primeiro registo fidedigno do uso de bocas de fogo na Península Ibérica aconteceu em 1342 quando o rei de Castela Alfonso XI, bombardeou as muralhas de Algeciras. O cronista Juan de Mariana relata que os Condes de Derby e Salisbury estiveram presentes nesse cerco e foram eles que levaram o conhecimento do fabrico de bombardas para Inglaterra.
Antes desse ano temos algumas informações escassas e desconexas que apontam o seu uso pelos muçulmanos nos cercos de Sevilha (1247), de Niebla (1262) e de Ronda (1305), mas não temos nenhuma fonte suficientemente clara a esse respeito. O que sabemos é que os reis Cristãos Ibéricos empregavam Mouros ao seu serviço com conhecimento do fabrico de canhões e de pólvora, como o rei de Navarra que em 1367 criou o cargo de "Maestro de las guarniciones de artilleria" para um Mouro de Tudela.

Mas, quando apareceram de facto os "trons" na cena militar portuguesa? Essa questão não tem respostas 100% certas devido à falta de fontes, mas a data de 1381 é demasiado tardia, pois a primeira referência segura recua o seu uso inicial para Maio de 1370, no final da 1ª Guerra Fernandina. Estas primeiras menções à utilização de artilharia pirobalística não significa que não existissem antes, pois importa recordar que os anos finais do reinado de D.Afonso IV e do seu sucessor D.Pedro I são pacíficos, pelo que não haveria motivo para as fontes mencionarem esse tipo de armas (Prof. Miguel Gomes Martins). Segundo uma outra hipótese é possível que estas tenham aparecido em terras lusas durante a guerra de 1336-1339 contra Castela, mas não temos certezas absolutas sobre isso. Muito provavelmente a introdução de bocas de fogo em Portugal se fez por influência muçulmana e/ou castelhana, no entanto, até à descoberta de crónicas primárias mais assertivas isso será sempre um exercício de alguma especulação. Do que sabemos com rigor é que o seu uso é atestado como armas de defesa colocadas no cimo das torres que defendiam a cidade de Lisboa durante os cercos de 1372-1373, 1381 e 1384, sendo empregadas para fazer fogo directo contras as galés castelhanas que atacavam a cidade pelo rio, tendo assim uma acção efectiva de defesa costeira.

Convém também não esquecer a ineficácia dessas bocas de fogo, que permitia apenas um ou dois disparos antes do ferro do bocal rachar ou até explodir, matando mais gente entre quem os operava do que entre aqueles que tentavam acertar, o que deve ter levado, entre os portugueses, a que não houvesse grande vontade de as usar. Mesmo numa altura em que passaram a ser muito comuns (finais do século XIV), os comandantes continuavam a confiar mais nos bons velhos trabucos (Prof. Miguel Gomes Martins), dando o exemplo do rei D.João I, que não confiava de todo na capacidade dessas novas armas, preferindo continuar a operar trabucos de contrapeso, como os utilizados no cerco ao castelo de Guimarães em 1385, nas campanhas contra Castela em 1386-1387 ou no cerco de Melgaço em 1388.
A aceitação dessa nova artilharia pirobalística deu-se já no século XV, quando as fontes as referem em quantidade na tomada de Ceuta (1415) e no cerco a Tânger (1437), levando inclusive o rei Afonso V a criar a 1ª Unidade de Artilharia e o cargo de "Provedor Mor de Artilharia, Pólvoras e Salitres" no ano de 1449.
Pedro Alves.

É válido mencionar que um dos principais fatores para os acidentes com canhões vem do fato de que, nessa época, a maioria das peças era feita de ferro forjado ou fundido, em detrimento do bronze, que começa a ser mais comum por meados do século XV. Em termos de comportamento de metais, uma peça de bronze fundido tende a rachar em dois quando a pólvora exerce muita pressão na câmara interna, evitando maiores problemas; o ferro, ao contrário de se partir ou se deformar, explode em incontáveis pedaços, explicando o porquê dele ser tão perigoso para uma equipe de canoneiros.
Fontes Bibliográficas:
Hassan, Ahmad Y. "Gunpowder Composition for Rockets and Cannon in Arabic Military Treatises In Thirteenth and Fourteenth Centuries".
"Arte da Guerra em Portugal de 1245 a 1367" - Miguel Gomes Martins.
"Guerreiros de Pedra" - Miguel Gomes Martins.
"Vestidos para matar - o armamento de guerra na cronística portuguesa de quatrocentos", Paulo Jorge Simões Agostinho.
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