top of page
  • Foto do escritorInfoBlog de JD

Os Cavalos na Era Medieval

Atualizado: 12 de out. de 2021

Um artigo original de 'Repensando a Idade Média':


Sir Geoffrey Luttrell, do saltério de Luttrell. Assumindo que sua esposa, Agnes Luttrell, possuía altura média, com 1.57 metros de altura John Clark proclama que o cavalo na representação não poderia ultrapassar 1.57 metros até a cernelha.

CAVALOS NO MEDIEVO: O cavalo de guerra medieval: características, forma e mitos.


É muito difundido o esterótipo do cavalo de guerra utilizado pela por guerreiros montados durante a idade média, particularmente o mais famoso destrier ou magnus equus, acessíveis apenas a aristocracia mais abastada. Tais cavalos teriam supostamente como descendentes os modernos Frísios e Shires, também sendo muito altos entre 1.7 e 1.8 metros de altura até o garrote e extremamente pesados.


Todas essas características supostamente poderiam condizer com sua função, o peso avantajado adicionando ao “choque” em combate e o tamanho o permitindo carregar um cavaleiro em armadura completa e por vezes até a própria armadura da montaria.


A evidência arqueológica não comprova tal ideia. Restos de equinos obtidos em escavações em Londres não ultrapassam 1.62 metros, frequentemente caindo entre os 1.32 e 1.34 de altura ao garrote, também são relativamente mais gráceis, sem indicação da existência de um tipo de cavalo pesado destinado ao trabalho de tração. Esqueletos provindos de Utrecht, provavelmente do cerco realizado em 1483 por Maximiliano I, caem em dois grupos distintos; o mais alto entre 1.44-1.62 metros e o mais baixo com 1.35-1.45 metros. Similarmente a maioria dos cavalos encontrados em enterros anglo-saxões fica entre 1.37-1.44 metros, no entanto é importante ressaltar que estes eram escolhidos precisamente pelo seu porte mais impressionante no período devido a natureza ritualística dos enterros, a média para restos encontradas em depósitos de menor importância é bem menos impressionante sendo 1.32 metros até a cernelha. Também a análise feita por Ann Hyland com diversas armaduras de equinos na Royal Armouries dá uma conclusão similar, a maioria confortavelmente cabendo a um cavalo entre 1.52 e 1.62 metros.


Cavalo Hunter de 1.72 metros, comparado a um cavalo típico das ossadas medievais em Londres com 1.33 metros até a cernelha.

O que então, da evidência iconográfica? John Clark estima que a representação do grant chival de Sir Geoffrey Luttrell, imortalizado no Saltério de Luttrell, não poderia ultrapassar 1.57 metros até sua cernelha. Tal conclusão é ecoada em representações como o monumento equestre de John Hawkwood e outras obras de arte medievais ou renascentistas, na maioria dos casos é aparente que a espádua do cavalo se situa em mesmo nível dos ombros do cavaleiro.


E quanto a lógica de que um aumento de tamanho necessariamente não só oferecia maior capacidade de carregar peso como significaria que estes animais carregariam uma boa parcela de peso em combate? Isto certamente não condiz com o peso das réplicas de selas de guerra, geralmente a metade de uma sela GP(general purpose), nem com a maioria dos exemplares de “barding” completos para cavalos, que usualmente pesam pouco mais que uma armadura para homens, entre os 45kg e com o peso distribuído para todo o corpo do animal.


A ideia de que um tamanho maior corresponde necessariamente a uma maior capacidade de carregar peso é também uma simplificação levando em conta que esta capacidade é refletida na densidade dos ossos das pernas e comprimento das costas(região entre a cernelha e a ponta da anca) não no seu tamanho. Na verdade a tendência para as pernas é inversa, com cavalos mais pesados apresentando frequentemente menor densidade em seus ossos e sendo menos capazes de suportar peso, já as costas necessitam ser relativamente curtas, o suficiente para o cavalo ficar “reunido”(termo que é usado quando o animal usa mais sua região anterior para impulsão e suporte do peso).


Monumento equestre a John Hawkwood(Giovanni Acuto) por Paolo Uccello.

Por que então o adjetivo grant ao chival ou magnus ao equus se para os padrões modernos não seria um animal de tamanho impressionante? Talvez para refletir ao adestramento a qual uma montaria de estima tão alta estaria submetida, alternativamente ao seu comportamento ou desenvolvimento físico. Uma analise extensiva de restos de equinos que podem ser certamente identificados como destriers ou corcéis ainda está faltando, mas é interessante relatar que uma altura ao garrote entre 1.5 e 1.6 metros dificilmente seria considerada pequena durante o medievo, animais maiores viriam a surgir posteriormente na idade moderna com finalidade de tração, mas dificilmente podemos dizer que os hackneys, sumpters e outras montarias de baixo prestigio habituados a puxar carroças de duas rodas leves em grupos de dois ou três superariam este tamanho. Certamente o maior índice de altura em cemitérios anglo-saxões indica que até certo ponto esta poderia ser associada a prestigio, embora para os padrões do período e não contemporâneos.


Também é possível um aumento gradual do tamanho de montarias pelo medievo. Uma comparação de amostras de ossadas de equinos pela Irlanda medieval possivelmente sugere tal conclusão, porém fica difícil concluir se este aumento seria movido primariamente por um desejo de cavalos de guerra(uma parcela bem menor da população dos equinos) maiores ou pela mesma lógica aplicada a animais de tração. A incerteza quanto a qual “tipo”(os medievais distinguiam entre cavalos de tipos e regiões diferentes, mas não raças especificamente) as ossadas pertencem na maioria dos casos torna uma conclusão ainda mais problemática.


Grande Cavalo (1505) por Albrecht Dürer.

Referências: - “The Medieval Horse and its Equipment, c.1150-1450” - John Clark

- “The Horse in the Ancient World: From Bucephalus to the Hippodrome” - Carolyn Willekes

- “Medieval Horses from Utrecht” - Jan Meijenstraat

- “The Horse in Early Ireland” - Finbar McCormick

- “Old Companions, Noble Steeds: Why dogs and horses were buried at and Early Medieval settlement along the Old Rhine” - Elfi Buhrs



Um ponto adicional que não toquei muito nesse artigo, muito devido a falta de artigos acadêmicos e pesquisas no assunto, mas eu creio que estes cavalos mais prestigiosos medievais (palafrém e destriers) tem um formato mais similar as raças "barrocas" do que por exemplo a maioria dos cavalos de corrida ou tração modernos, não muito dissimilar aos preceitos de xenofonte quanto ao cavalo de guerra ideal. Para quem tiver interesse, Brent Branderup explica as características fisiológicas e também psicológicas desse tipo de cavalo histórico:

https://youtu.be/KOj9AsbR1xQ



Adicionalmente para aqueles que ficaram confusos com o termo "reunido", tem uma demonstração bem útil neste vídeo:

https://youtu.be/MT78TCiW9RI



Não vou afirmar ter analizado extensivamente a tapeçaria de Bayeux(que até onde ouvi falar, na verdade não é uma tapeçaria e sim um bordado), mas tomando em conta ter cuidado com interpretações definitivas da iconografia pelos motivos que você já mencionou me parece coerente. Baseado em observações o Bachrach estima a altura de um dos cavalos representados para um pouco mais de 1.62 metros de altura, no caso eu tenho cautela com a interpretação dele, a maioria das montarias aparentam bem menores, como você mencionou com os milites quase alcançando as pernas no chão e Bachrach chega a algumas conclusões que consideraria igualmente estranhas como por exemplo de que os animais pesariam em torno de 590 e 680 quilogramas, bem diferente da interpretação de Jürg Gassmann em um paper recente que estima lá pelos 400kg. O artigo de Gassmann anterior também menciona que interessantemente a estatura de cavalos entre a antiguidade tardia e a dinastia merovíngia não mostra padrão de declínio se situando pelos 1.39 metros, enquanto ovelhas e bois por exemplo ficam menores nesta transição. Adicionando isso a que até onde sei essa discrepância de altura entre homens contemporâneos e medievais ser bem mais negligenciável do que usualmente imaginado(possivelmente algum outro admin da pagina pode ajudar com isso, eu sou bem fraco nesse tópico em geral) não me faz parecer que a revolução agrícola realmente foi o que deu o "impulso" a essa maior estatura de alguns cavalos individuais posteriormente. Finalmente, sobre a menção de Guilherme ter obtido um cavalo da península ibérica, é interessante notar que a região era conhecida por prover alguns dos melhores cavalos por todo o período medieval(até na antiguidade e na era do barroco os cavalos ibéricos eram considerados alguns dos melhores de todas as regiões europeias). Um artigo que pretendo usar para um post futuro nessa série sobre cavalos medievais elabora sobre o quão comum era a aquisição de cavalos exportados dessa região por membros da nobreza inglesa no século XIII/XIV, deixarei anexado a este post uma das tabelas do artigo com preço e lugar de compra desses cavalos estrangeiros na Inglaterra de Eduardo III. O engraçado é que a tendencia parece não ter mudado muito, os melhores praticantes de justa(e digo realmente alguns dos melhores, tanto em no nível de equitação quanto reenactment historico) que ouvi falar atualmente prezam muito alto cavalos PRE(pura raza española), ao ponto que a andalusian magazine fez um artigo especificamente para detalhar o papel do cavalo andaluz nestes eventos.

CAVALOS NO MEDIEVO: O cavalo como simbolo de virtude, status, poder e posição hierárquica:


"Buscou-se em todas as bestas qual era a mais bela besta e a mais veloz, e a que pudesse sustentar maior trabalho, e qual era a mais conveniente para servir ao homem; e porque o cavalo é a mais nobre besta e a mais conveniente a servir ao homem, por isso, de todas as bestas, o homem elegeu o cavalo, que foi doado ao homem que foi dos mil homens eleito; e por isso aquele homem tem o nome de cavaleiro." - Livro da Ordem de Cavalaria(1274-1276), Ramon Lull(1232-1316). Tradução por Ricardo da Costa


Poucos animais poderiam concorrer ao posto de mais influentes no medievo ao cavalo, talvez bois, porcos, ovelhas e cabras quanto ao seu uso na pecuária, ou possivelmente os cães e falcões tão apreciados pela aristocracia durante a caçada.


Saltério de Luttrell(1320-1340). Aqui observa-se uma carroça puxada por três cavalos. Os animais aparentam pequenos e compactos, mas dificilmente de formato parecido com os cavalos maiores de tração da idade moderna. Seu preço era baixo, por vezes menor que o da propria carroça, o "Coroner's Rolls of the City of London" relata um incidente onde Agnes de Cicestre teria sido atropelada por uma carroça puxada por três cavalos. Desta carroça, que valia 6 xelins e oito pence, apenas o cavalo da frente valia um preço maior de 10 xelins, os dois outros animais tinham preço de respectivamente 6 xelins e 4 xelins.

Porém o cavalo é sem duvidas uma influencia quase universal, particularmente no medievo tardio uma verdadeira especialização floresce, denotações a tipos diferentes de cavalos começam a surgir e são extensivamente atestadas nas novelas de cavalaria, desde o palafrém até o sumpter o cavalo possui uma relevância tanto pragmática quanto simbólica. São eles que não só realizam tarefas banais, mas também se associam aos esteriótipos idealizados de castas sociais ganhando cada vez mais espaço nas obras literárias, possivelmente possuindo até certo grau de individualização nestas. O cavalo passa de certa forma a atuar como um espelho para a sociedade.


Ainda na Inglaterra anglo-saxã e Islândia medieval o status simbólico do cavalo já era atestado, particularmente comuns são os enterros de mortos juntos de suas montarias, no caso da Islândia 36% desses enterros pagãos contêm suas montarias juntos dos donos, com 40 atribuídos a homens e 18 a mulheres, as montarias também poderiam ser enterradas simultaneamente a um casal em um mesmo enterro, sendo que dois enterros apresentam este caso.


Já nas sagas da Islândia medieval(geralmente originarias do século XIII, mas provindas de tradições que datam desdo século X, o que poderia explicar a maior ênfase dada aos animais nestas sagas comparado a narrativas sobreviventes do século X) cavalos servem a função tanto de demonstrar as qualidades quanto defeitos de seus donos. O mais celebrado desses cavalos seria certamente Freyfaxi da saga de Hrafnkel, esta seria a montaria mais estimada do proprio Hrafnkel que havia jurado matar qualquer um que ousasse monta-lo. A trama se desenrola quando Einar, pastor do rebanho de ovelhas de Hrafnkel, decide montar o garanhão, este já cansado após a cavalgada volta sujo a casa de seu mestre, o que se segue é quase uma conversa entre homem e animal, com Hrafnkel questionando o ocorrido e depois dispensando a criatura a retornar para sua manada. Como esperado Einar é sumariamente morto, o que se torna problemático quando sua família procura vingança que é eventualmente obtida quando Hrafnkel é declarado como foragido no Alþingi local. Maior simbolo da queda de seu poder é quando Freyfaxi, catalisador de todos os eventos anteriores, é morto após ser jogado fora de um penhasco.


Manuscrito Ellesmere. Note tanto tanto a forma de montar da prioresa quanto o passo de sua montaria. Ela esta cavalgando "sidesaddle", um estilo de cavalgar tipicamente feminino, conhecido desde a antiguidade até os tempos modernos. Já sua montaria possui um andamento "ambling", este tipo de andamente é ainda característico de raças atuais como o Paso Fino e o cavalo islandês, no medievo eram os palafréns as montarias distintas com este andamento e usualmente reservadas a membros do clero em suas viagens ou aristocracia em cavalgadas de lazer.

Enquanto algumas montarias são idealizadas nas sagas, donos de animais desonrados são criticados quando suas ações e comportamentos são tidos como não melhores aos das próprias bestas. A saga de Grettir retrata uma luta de cavalos(hestavíg), esporte tipico da Islândia medieval, onde os donos com temeridade a perder suas apostas começam a infringir os próprios animais, se tornando não melhores a eles. A analogia entre um homem desonrado e uma besta é usada novamente quando Gisli tenta assassinar Grettir com seus comparsas, não demora muito até que ele covardemente fuja do protagonista, sendo igualado a um cavalo de puxar carroça em sua fuga vergonhosa.


O cavalo também exercia papel importante nas religiões pagãs, sendo associados a divindades como Odin e Frey(a mesma divindade a qual era dedicado o famoso Freyfaxi mencionado anteriormente), adicionalmente a figuras lendarias como Hengist e Horsa, os dois com nomes derivados respectivamente de garanhão e cavalo. Por fim a hipofagia existia, embora não se fosse praticada de forma predominante, a evidência arqueológica corrobora que apesar de possivelmente prestigiosa a carne de cavalo seria consumida apenas em ocasiões raras quando comparado ao consumo de gado, ovelhas, cabras e porcos que faziam a vasta maioria de proporção de carne para consumo na Inglaterra anglo-saxã.


O advento do cristianismo viria a mudar este quadro. Foram homens como o abade Elfrico de Eynsham e o Papa Gregório III que viriam a crescentemente criticar e combater a pratica da hipofagia, em meados do século 8 dC nota-se uma diminuição das ossadas de cavalos associadas a abates para consumo de carne juntamente da antiga pratica do sacrifício e enterro de cavalos. Aparentemente a hipofagia demorara mais para sair de moda nas regiões rurais periféricas quando comparadas aquelas habitadas por elites, indicando que as ultimas teriam adotado em maior escala a nova atitude imposta pelos legados papais e abandonado o que agora era tomado por tabu.


Na Baixa Idade Media a hipofagia ficaria restrita primariamente a situações de necessidade onde seu consumo não poderia ser evitado tais como em cercos, parafraseando Robert Knolles em sua mensagem a Luís II e Bertrand du Guesclin em meados dos 1360s: "Você me fez comer meus cavalos aqui neste castelo de Brest, como eu fiz você comer os seus no cerco de Rennes; assim vão as mudanças de fortuna e guerra".


A maior indicação de uma transformação de perspectiva, onde o cavalo ganha cada vez mais papel como agente simbólico em obras literárias é atestado nas novelas de cavalaria. Este possui apenas papel marginal nas primeiras versões atestadas do século X, é no Waltharius manus fortis por Ekkehard de St Gallen onde o cavalo é, com uma exceção na montaria de Walter nomeada Leonis, anonimo e raramente digno de descrição detalhada, seu papel é secundário e presença não necessitada, por vezes até mesmo implícita. Similarmente o pouco que restou de versões ainda mais antigas do conto como o Waldere anglo-saxão não chega a menciona-los, mesmo em cenas de batalha e saques pós-batalha sua presença seria no máximo implícita. Igualmente não são descritos no De Excidio Britanniae de São Gildas ou em Historia Ecclesiastica Gentis Anglorum por São Beda, respectivamente dos séculos VI e VIII, que escrevem sobre os feitos de Ambrósio Aureliano.


Afresco equestre a Niccolò da Tolentino(1456), Andrea del Castagno(1421-1457). Em latim está escrito: HIC QVEM SVBLIMEM IN EQVO PICTVM CERNIS NICOLAVS TOLENTINAS EST INCLITVS DVX FLORENTINI EXERCITVS. Aqui pode-se ver alto a cavalo Niccolo da Tolentino, honoravel lider do exercito florentino. A primeira vista as semelhanças com o afresco de Uccello, apresentado no post anterior, são aparentes, uma observação mais cuidadosa revelara no entanto as diferenças remarcantes entre as duas obras. O Hawkwood de Uccello é estático, quase uma estatua, já o Niccolo de Castagno encontra-se em movimento, os adornos de cavaleiro e montaria juntamente a cauda da besta movem-se como se abalroados pelo vento, ajudando a sensação "viva" exaurida pela imagem é o olhar do animal, um jogo de perspectiva fazem seus olhos seguirem o espectador sobre todos os ângulos, é como se a qualquer momento o condottieri pudesse tomar vida e cavalgar em direção aquele que observa o afresco.

Para o Ambrósio de Gildas ou Beda o cavalo não aparentava ser um elemento essencial, não digno de descrição detalhada, tal atitude não poderia ser mais diferente quando comparada as histórias Arturianas que viriam a seguir como em Lancelote, o Cavaleiro da Carreta por Chrétien de Troyes(século XII) ou Le Morte D'Arthur por Thomas Malory(século XV). Agora os animais tornam-se veículos essenciais para as narrativas, símbolos de prestigio e casta social, para os cavaleiros apenas os mais renomados destriers podem ser cavalgados de forma que se mantenha a dignidade e cumpram-se as expectativas de seu estado, já as donzelas se reservam aos palafréns enquanto aos villeins(homens comuns) resta-se andar a pé ou em carroças puxadas por bois. Essa especialização em vários tipos de cavalos sendo descritos atreladamente ao status ou posição social de quem o monta se torna tão comum que pode ser observada quando Chrétien descreve um dos oponentes de Lancelot ainda anonimo, é suficiente para deixar no leitor implícito seu status quando seu cavalo é dito mais rápido que um veado, este oponente é posteriormente revelado ser nada menos que um príncipe. Esta logica era também era ao menos almejada ser seguida e imposta, já nas ordenanças de 1265 São Luís é imposto que um escudeiro não poderia um rouncey "ambling" de quinze livres ou o mesmo tipo de montaria para o trote de vinte livres. Tal desigualdade dos preços pode ser explicada por ser o "ambling" tipo de andamento característico de cavalos não usados para fins bélicos, enquanto os cavalos de guerra pareciam ser mais apreciados com um bom trote. Assim observa-se não só um limite ao tipo de montarias que poderiam ser obtidas legalmente, como uma especialização de uma casta voltada para guerra, aspecto social muito idealizado mas nem sempre posto em pratica durante o medievo.


Segue então que assim como a uma casta social ou sexo especifico é atribuído um tipo de montaria especifica, que a infração dessa "regra" seja vista negativamente, assim como Ganelão da Chanson de Roland pretende trair os francos, afirmando que Rolando pretenderia forçar Marsílio a "cavalgar não um palafrém ou destrier, nem um burro ou mula, ele sera jogado em um pobre sumpter". Aqui novamente observa-se como os tabus e ideais medievais são usados para engrandecer ou diminuir personagens dos contos, Lancelote é então desonrado quando recorre a locomover-se por meio de carroça para achar Guinevere, quando Gauvain comenta que "trop vilain change feroit se charrete a cheval chanjoit" ele não está mais que comentando o senso comum da aristocracia que certamente faria parte do publico ao qual a obra era destinada. Finalmente quando Lancelote obtem um cavalo adequado a sua estação por Guinevere pode a narrativa implicar sua honra restaurada, juntamente com as boas fortunas vêm cada vez mais montarias dadas de presente ao cavaleiro da carreta.


A forma com a qual o cavaleiro se relacionava com seu cavalo era também outra forma pela qual a narrativa podia assertar as características de seus personagens, tal conceito não é surpreendente, é tipico que estas novelas reservem largas descrições para a forma com que homens e mulheres cuidem destes animais, seja por meio da escovação, manejo de arreio ou pastagem, as historias tem um caráter marcantemente equestre. Assim Maria de França em Lanval mostra o personagem principal como ingenuo e tolo quando após sua montaria demonstrar mal estar, a deixar para correr a solta pelo campo enquanto carrega sua sela desmontado, o Kay de Chrétien é também mostrado como imprudente quando rouba Gringalet, cavalo de Gauvain, nem mesmo a prestigiosa montaria pode garantir no entanto vitoria contra Erec em seu iminente duelo.


Para culminar esta caracterização do cavalo podemos citar Bartholomeus Anglicus quando diz que: "Horses be joyful in fields, and smell battles, and be comforted with noise of trumpets to battle and to fighting; and be excited to run with noise that they know, and be sorry when they be overcome, and glad when they have the mastery. And so feeleth and knoweth their enemies in battle so far forth that they a-rese on their enemies with biting and smiting, and also some know their own lords, and forget mildness, if their lords be overcome: and some horses suffer no man to ride on their backs, but only their own lords. And many horses weep when their lords be dead. And it is said that horses weep for sorrow, right as a man doth, and so the kind of horse and of man is medlied. Also oft men that shall fight take evidence and divine and guess what shall befall, by sorrow or by the joy that the horse maketh. Old men mean that in gentle horse, noble men take heed of four things, of shape, and of fairness, of willfulness, and of colour". Para o ideal romantizado do medievo o cavalo pode sofrer e alegrar-se de forma similar ao homem, portanto coincide quando Maria de França escreve sobre a separação de Graelent e seu cavalo na conclusão de sua obra que: "His destrier . . . grieved greatly for his master’s loss. He sought again the mighty forest, yet never was at rest by night or day. No peace might he find, but ever pawed he with his hoofs upon the ground, and neighed so loudly that the noise went through all the country round about. Many a man coveted so noble a steed, and sought to put bit and bridle in its mouth, yet never might one set hands upon him, for he would not suffer another master. So each year in its season the forest was filled with the cry and the trouble of this noble steed which might not find its lord."


'The Mocking of Saint Thomas of Canterbury', 1426, Kunsthalle Hamburg. São Tomás Becket em seu cavalo 'diffamé', sendo ridicularizado por homens leigos, note a liberdade artística tomada por Francke, o cavalo de carga é agora um magnifico palafrém, assim como o arcebispo esta montado nele, esporas douradas adornando seus pés.

Se o cavalo é simbolo do cavaleiro, infringir o animal é infringir a honra de seu dono. Assim se explica um aspecto mais violento da cultura medieval, a mutilação do cavalo, particularmente sua cauda, para infringir a honra de seu dono, conhecido pelo termo "docking". Para um cavaleiro cortar a cauda, uma das partes mais apreciadas do corpo do animal, da montaria de outro cavaleiro seria grave ofensa, quando em 1311 William Reymund reclama do barão John Paynel, por não só o emprisionar e cobrar resgate como também cortar a cauda de seu cavalo, ele está difamado.


Membros da nobreza pareciam entender bem a pratica e suas conotações, com um animal de cauda decepada sendo descrito em frânces como "diffamé", William Longespee retruca os insultos de Robert I de Artois antes da carga desastrosa em Mansurah afirmando: "Creio que hoje estarei onde você não se atrevera a tocar na cauda do meu cavalo". As ordenações Afonsinas regulam a um cavaleiro cuja cauda do cavalo fora perdida em combate a adquirir uma montaria substitua tal que não difamado ao olhar de seus companheiros. O jurista medieval Henry de Bracton relata como punição a um estuprador não só a perda de sua vida, mas também como os testículos e cauda de seu cavalo seriam decepados, assim como suas outras bestas prestigiosas como cães e falcões mutilados.


Nem os membros do clero estavam a salvo de se tornarem alvos de docking, o escriba do bispo de Exerter relata como homens laicos junto do xerife de Cornwall teriam atacados clérigos enviados com o proposito de os ameaçar a excomunhão, seguiu-se que os clérigos tiveram suas vestimentas rasgadas, também sendo amarrados as caudas de seus cavalos que posteriormente os arrastaram, até os pobres animais terem suas caudas posteriormente cortadas bem como lábios e orelhas mutiladas.


Uma forma de evitar se tornar alvo deste tipo de degradação era decepar o membro da própria criatura previamente, o cânone 19 da Ordem Gilbertina explica como seus cavalos deviam ter suas caudas decepadas, crinas raspadas e em geral dar a aparência de despicáveis e feios.


Mais famoso caso de docking talvez seja o de São Tomás Becket, alguns dias antes de sua famosa execução é relatado que Robert de Broc ou seu sobrinho John teriam mutilado a cauda de um de seus cavalos de carga e levado o pobre animal difamado até sua presença, alguns dias após em pleno natal Robert de Broc fora excomunhado.


O docking do cavalo pertencente a Becket não era apenas devido a desavença pessoal entre este e Herique II (embora este fosse sem duvida o fator essencial da disputa), mas também servia como forma de critica, a mutilação não só despreciava estes animais como ridicularizava seu dono como e servia de critica ao seu apego a posses terrenas, Becket era afinal um dos homens mais famosos de seu tempo, antes de se tornar arcebispo é descrito por William Fitzstephen como ele haveria sido acompanhado por uma comitiva toda esplendidamente montada de duzentos homens em uma embaixada ao rei da França.


Podemos partir finalmente para como o próprio ato de cavalgar atuava para o ego do individuo medieval, neste caso é útil citar o famoso 'Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela por Dom Duarte de Portugal'. Duarte já descreve como cavalgar é sinônimo de virtude, não só exterior como interior, um bom cavaleiro ou escudeiro: "Averem boas vontades de fazerem todallas cousas virtuosamente e lealmente a deos e aos homens ". Não é só seu corpo, mas sua mentalidade que os colocam em outro patamar em relação aos homens comuns, controlar sua montaria requer firmeza e auto-controle, assim como seu medo deve ser dominado, medo de cair da sela ou cavalgar. Quanto ao medo são curiosas as dicas dadas pelo rei Português de forma um tanto pessoal para como supera-lo, o crescimento pessoal do cavaleiro pode ser obtido mesmo que pelo fingimento de segurança, que eventualmente chega torna-se habito e surte efeito no coração do seu próprio individuo, a segurança antes apenas falsificada se torna agora legitima. Duarte então não lida somente com como "bem cavalgar toda sela", mas também com o desenvolvimento pessoal do individuo onde este, com a graça de Deus, aprende a criar confiança na "besta", terreno, sela e em si mesmo:


"E posto que se diga que nom podemos mudar as cousas da natureza, eu tenho per boo entender e geeral boa voontade os homees enmendam muito, com a graça de deos, em os seus naturaaes fallecyme[n]tos, e acrescem nas virtudes. E porem cada huũ deve trabalhar por sse conhecer."


Referências: - Jeney, Cynthia. "‘Have This Horse’: The Role of Horses and Horsemanship in Medieval Arthurian Literature".

- Boniface, Katrin HORSE POWER: "SOCIAL EVOLUTION IN MEDIEVAL EUROPE" Master's thesis, College of Social Sciences, 2015.

- Miller, Andrew G. "“Tails” of Masculinity: Knights, Clerics, and the Mutilation of Horses in Medieval England" Speculum 88, no.4 (2013).

- Stauton, Michael. Thomas Becket and his Biographers. Boydell Press, 2006.

- Clark, John. The Medieval Horse and its Equipment, c. 1150-1450. Boydell Press, 2011.

- Benjamin, Megan. "Horses as Status Symbols: Medieval Icelandic horses as symbols of masculine honor in a one-sexed world" 2008.

- Poole, Kristopher. "HORSES FOR COURSES? RELIGIOUS CHANGE AND DIETARY SHIFTS IN ANGLO-SAXON ENGLAND" OXFORD JOURNAL OF ARCHAEOLOGY 32, no.3 (2013).

- Lull, Ramon. "O Livro da Ordem de Cavalaria (c. 1274-1276)" Trad: Ricardo da Costa. Brasil: RAIMUNDO LULIO, 2010.

- Tomassini, GB. "Riding as a way to cultivate the soul Dom Duarte and the remedies against fear".

- Tomassini, GB. "The breeds of the Kingdom. An unpublished manuscript by Federico Grisone"

- Maués, Fernando. "As ensinanças do livro do cavalgar" Universidade Federal do Pará.


Quanto ao estilo de cavalgar "sidesaddle" da prioresa, já ouvi que existe certo preconceito contra, aparentemente alguns consideram que as mulheres que cavalgavam dessa forma não poderiam ter controle adequado sobre suas montarias. Isto não coincide com a evidência iconográfica, nem com a pratica de cavalgar nesse estilo ainda existente, na verdade é aparente que até o nível mais alto de equitação é compatível com a cavalgada "sidesaddle". Segue uma compilação da Bückeburg Princely School of Riding Art:

https://youtu.be/ZAqT8H9CGWM


CAVALOS NO MEDIEVO: O livro da ensinança de bem cavalgar toda sela, que fez Dom Duarte, Rei de Portugal e Algarve, e Senhor de Ceuta.


Apesar de seu importante papel cultural pelo medievo, pouco nos resta de instruções escritas quanto as artes hípicas realizadas neste período, a pratica do cavalgar é diversas vezes atestada e celebrada em manuscritos e canções de gesta com o cavalo se tornando praticamente simbolo de identidade social, mas quanto as realidades e técnicas do cavalgar o material é escasso. Podem-se destacar tratados veterinários e de alveitaria como o "Livro de Alveitaria" do mestre Giraldo ou o "Liber de curis equorum" de Jordanus Rufus, mas é certo que o pouco que resta de material escrito é apenas uma porção menor de uma tradição que seria primariamente transmitida e ensinada por meio oral. Foi o advento do século XVI com obras detalhadas como o "Gli ordini di cavalcare" e "Trattato dell'imbrigliare, attegiare, e ferrare cavalli" de autores como Federico Grisone e Cesare Fiaschi que viriam a trazer instruções mais detalhadas do mais alto nível de adestramento da Idade Moderna.


Benozzo Gozzoli(1421-1497). Três Reis Magos(1459-1462), Detalhe. Na representação, Lorenzo de Medici aparece montado elegantemente em completa harmonia com sua montaria. É difícil dizer qual o tipo de cavalo aparece no afresco, possivelmente seria assemelhado aos famosos napolitanos do período moderno. Igualmente difícil é dizer se os italianos ainda possuíam a mesma terminologia "medieval" para tipos diferentes de cavalo no século XV tardio. O tratado Gli Ordini del cavalcare publicado em 1550 sugere que fazendas de criação diferentes adotavam tipos distintos quanto aos cavalos criados, desta forma os cavalos de Apulia se distingiuam entre; o Grande; o Imperial, o Real; o Gentil, o Favorito, o Eleito; o Pequeno e o Jennet. Já em Calabria se distinguia entre; o Grande; o Medio; o Comum; o Pequeno e o Jennet.

De primazia então é o tratado do Rei de Portugal e Algarve, Dom Duarte, conhecido como o "Livro da ensinança de bem cavalgar toda sela". O rei português não chegou a compilar primeiro tratado voltado a arte do cavalgar, é precedido por séculos pelo famoso Hippiké de Xenofonte e as cinco tábuas de argila em escrita cuneiforme pelo autor mitanita Kikkuli, no entanto a datação do livro da ensinança para o século XV, mais de um século antes de Grisone, o coloca como uma importante plataforma para visualizar as praticas as praticas hípicas do medievo tardio.


Infelizmente também deve-se reconhecer como uma obra incompleta, Duarte começara a escrever o livro ainda como infante, mas quando foi vitimado pela peste em 1438 a obra ainda estava para ser completa, dos seus dezesseis "avisamentos principais ao bom cavalgador", que compõe a terceira parte da obra apenas oito são abordados, com os dois últimos capítulos aparentando-se mais como esboços desorganizados comparados aos que os antecedem.


Aqueles que esperam um livro sucinto, focado exclusivamente nos aspectos pragmáticos do cavalgar ficarão desapontados, de fato por toda a obra podem-se observar os traços marcantes da escrita do "rei-filósofo"; analogias e metáforas quanto ao habito de cavalgar e formas de se portar na vida, incursões no psicológico humano e nas "quatro vontades" pertencentes a cada individuo, alguns dos capítulos chegando a serem reciclados ou readaptados a sua outra obra famosa, o "Leal Conselheiro". Duarte justifica suas recorrentes introspecções no psicológico humano no livro do bem cavalgar: "E posto que pareça sobeio screuer aqui taaes razooes por nom uijrem aproposito, eu o fiz por alguus fazer proueito, ajnda que doutros bem nom seja filhado".


Eduarte divide o livro em três partes; a primeira "que trauta dauoontade", a segunda "do poder" e a terceira "em que se dam XVI auysametos pryncypaaes ao boo caualgador". Duarte começa explicando o porque do cavalgar para os cavaleiros e escudeiros que tal "manha" queiram aprender; "por que todollos homees naturalmente desejam sua honrra, proueito e boo prazer". Ênfase é colocada nos feitos de guerra, Duarte explica que aqueles bons cavalgadores terão vantagem sobre aqueles que são "mynguados" de manha, que bons cavalos não sabem cavalgar, mesmo que em outras virtudes sejam iguais. Nos tempos de paz o cavalgar também é útil, seja em praticas esportivas como justas ou "jugar as canas", seja pelo fator simbólico, aqueles que possuem bons cavalos e são dotados de "grande custume, e boa "essynãça" são mais prezados pelos seus senhores e seguidos. Também realçado é a "folgãça", ou seja os aspectos de puro lazer que esta arte traz para os corações de quem a pratica.


Duarte conclui a primeira parte enumerando as setes(seis de acordo com o autor, esta é outra passagem a qual o rei provavelmente não foi capaz de corrigir antes de sua morte) vantagens de bem cavalgar: "seer mais prestes pera seruir seu senhor", "andar folgado", "hõrrado", "guardado", "ser tymodo", "ledo" e "acreceta moyor e mylhor coraçom".


Livro de Horas de D. Duarte, São Jorge (fl 36v). Esta representação de São Jorge, datada entre 1428 e 1433 faz parte do Livro de Horas cujo Dom Duarte recebera de presente de D. Isabel da Borgonha. Sendo produzido em Bruges podemos assumir que São Jorge é representado no estilo flamengo de se vestir e cavalgar, com uma sela do tipo "Hohenzeug", tipicas de torneio nos arredores do Sacro Império Romano, cujos arções frontais descendem, protegendo a perna do cavaleiro.

A retórica do autor é bem aprofundada quando segue rebatendo os argumentos daqueles que se dizem contra a pratica do cavalgar. Duarte começa apresentando os argumentos em proêmio, sobre como supostamente a pratica do cavalgar não possa exclusivamente fazer um individuo "muyto ualer". O "rei-filósofo" no entanto explica as virtudes do bem cavalgar; "Auere boas uoontades de fazer todallas cousas uirtuosamente, e lealmente adeos e aos homees, e teere boa e razoada fortelleza do corpo e do coraçom, per que averã poder de cometer, contradizer e soportar todas cousas fortes e contrairas". Uma característica marcante da obra pode ser vista aqui, a arte hípica de Duarte é baseada nas virtudes internas do cavaleiro, que não só é "sem receo", "seguro", "assessegado", "solto" e "fremoso" na sela, mas também nas atitudes do cotidiano, é então de imenso valor não só pragmático quanto pedagógico, não surpreendentemente vemos o rei posteriormente aconselhar a leitura de bons livros de filosofia e aprendizado do latim em um livro de cavalaria.


A segunda parte do livro lida com o poder, dois tipos são descritos "do corpo" e "da fazenda". Abordando os dois tipos a moral parece ser a mesma, aqueles que tiverem maior vontade e saber de exercer a pratica irão triunfar, mesmo que os "fallymentos" do corpo possam obstruir a pratica do cavalgar, logo encontrarão outros que apesar de "mais derribados em seus fallymentos" a conseguem exercer bem, é notável um relato dado por Duarte em uma passagem posterior da obra quanto a como seu pai e senhor, João I, mesmo pelos setenta anos de idade ainda podia montar com facilidade quanto comparado a outros homens na faixa dos cinquenta devido ao seu frequente habito de praticar o pulo as montarias. Igualmente quanto ao poder da "fazenda"(entenda-se por fazenda a posse e bom uso de montarias), Duarte explica como mesmo aqueles viciados em bebidas e jogos de azar conseguem sustentar seus maus hábitos, quanto mais fácil então para alguém com grande vontade de comprar boas "bestas" e as governar, sendo uma virtude tão procurada pelos senhores.


Gaston Phébus, Livre de la chasse. Cena tipica de caçada medieval, note que Duarte descreve quatro formas de ferir com a espada montado, com um corte horizontal(talho travesso), com um corte reverso(revés), com um corte vertical(fendente) e com uma estocada(ponta). As duas primeiras formas seriam mais uteis contra oponentes montados, enquanto as duas ultimas seriam mais utilizadas contra homens a pé ou animais selvagens.

Chega-se a terceira parte do livro, de longe a mais extensiva de todas quanto comparada as brevíssimas que a antecederam. Duarte inicia após uma breve introdução declarando os cinco jeitos certos de cavalgar, com as selas "bravante", "gyneta", duas formas de cavalgar que supostamente seriam o que é apelidado hoje de "a la brida" e de cavalgar sem sela e estrebeiras ou com "bardom"(possivelmente sinonimo de albarda), declara também que todos os outros jeitos certos de cavalgar derivam destes previamente mencionados.


É importante notar alguns detalhes sobre o modo de cavalgar e arreio medieval. Em contraste com a maior popularização do bridão moderno(conhecido como "snaffle") a iconografia medieval mostra predominantemente freios conhecidos como "curb"("freio baixo"), não é como se o uso do bridão fosse desconhecido, de fato achados arqueológicos ao redor de Londres predominantemente apresentam o bridão como o tipo de freio mais tipico, mas parece ser claro que em um contexto de cavalgar mais refinado, seja em uma justa ou cavalgada de lazer o curb fosse visto como o freio ideal para uma montaria de qualidade. Podemos exemplificar a importância do freio curb com a proclamação, em 20 de novembro de 1627, por Carlos I da Inglaterra banindo o uso do bridão para cavalos de guerra, ou ainda na critica de Newcastle ao método de usar "rédeas falsas" para guiar cavalos: "Pois o cavalo que não estiver sujeito ao "curb" jamais será um cavalo pronto; então faz o freio como se um "snaffle" ".


Goliath Fechtbuch (MS Germ.Quart.2020) - Folio 179r. Os dois cavaleiros mostram as duas tecnicas de cavalgar diferentes, o da esquerda com as pernas encolhidas "a la gyneta" e o da direita com as pernas estiradas em "a la brida".

A construção de selas medievais é também marcante, particularmente as selas associadas a guerra ou torneios apresentam "arçoões" altos para suportar o cavaleiro que está tipicamente montado no estilo "a la brida", com as pernas estiradas frontalmente, em alguns casos podendo servir até como possível proteção a perna(como nas selas "hohenzeug"), adicionalmente a maior superfície de contato dessas selas medievais ajuda a distribuir não só o peso do cavaleiro e armadura como também de quaisquer impactos, como os típicos de lanças de justas("ruquetes").


Para as selas "bravante" Duarte nos diz que o cavaleiro deve manter as pernas "huu pouco diãteyras e firmadas nas strebeiras", enquanto o cavaleiro deve ser suportado com as três partes, a sela e ambas estrebeiras "em tal guisa que ygualmente se aia em todas tres partes, nõ poendo mayor femença em ofirmar dos pees que em no apertar das pernas ou sseer da sella, mais de todas tres em ygual aia aquella boa ajuda que se dellas pode e deua auer". Posteriormente a este capitulo Duarte relata em maior detalhe os tipos diferentes de sela "bravante" e suas peculiaridades, já que naquelas altas com arçõoes traseiros e dianteiros fortes(possivelmente selas de guerra) seria mais útil levantar-se nos estribos pelo meio, ficando erguido dois ou três dedos acima do normal, enquanto em selas mais longas ou achatadas(possivelmente selas destinadas a cavalgadas mais relaxadas) o cavaleiro faz bem em se apoiar pelo meio da sela, mas ainda não perdendo a firmeza dos pés nos estribos.


Os próximo estilos de cavalgar descritos pelo rei são "dos que nom faze grande cõta das estrebeiras" e "dos que andam firmes e alto nas strebeiras". Ambos provavelmente seriam classificados como "a la brida" atualmente embora a semelhança possa ser enganadora, no primeiro o cavaleiro se apoia na sela, mantendo-se "dereito" e usando do "apertar das pernas". O outro estilo usa maior ajuda dos estribos e arções, mantendo as pernas sempre "dereitas sepre que el poder trazer" e os pés firmes sem se apoiar na sela "por que faz perder afremosura, e soltura, e assessego, e ajnda seer menos forte". Duarte associa a forma de cavalgar apoiada na sela aos cavaleiros italianos e ingleses, enquanto apoiar-se nos estribos seria forma tipicamente portuguesa para torneios e mais antiga.


Bernat Martorell. Saint George killing the dragon, 1430-1435. Obra completada ainda em tempo de vida de Dom Duarte, note o estilo de cavalgar com as pernas estiradas, possivelmente retratando o terceiro estilo descrito por Duarte, onde o cavaleiro se apoia nos estribos.

O quarto estilo descrito por Dom Duarte, "do caualgar com as pernas encolhydas", seria o que é popularmente conhecido como "a la gyneta", era o estilo tipico de cavalgar dos mouros do Norte da Africa e devido a um intercambio cultural teria também se alastrado pela penisula iberica. Esses tipos de sela seguiriam os mesmos principios das selas bravantes no montar, exceto que "trazer as pernas sepre encolhidas[...] mais em estas nunca deuem seer estiradas, nem em as debrauãte encolhidas". Posteriormente Duarte relata como crê que um "marim"(oficio militar tipico do Norte da Africa) não teria experiencia com selas bravante, assim como um inglês ou francês provavelmente teria dificuldade tentando cavalgar uma sela de gynete(termo ainda usado pela América Latina para se referir a cavaleiros). Podemos ver a diferença entre os estilos de cavalgar predominantes no mundo europeu, com as pernas erguidas, comparado aqueles de seus arredores com as pernas encolhidas.


O quinto e ultimo estilo de cavalgar é aquele sem estribos, em "bardoões" ou sem arreio, o cavaleiro que bem sabe cavalgar desta forma "tee toda sua meestria no apertar das pernas, e teersse dereito, e tee tres defereças. Primeira com as pernas tendidas e apertadas dos geolhos, e das coxas. Segunda, encolhendo as pernas todas, e çarralas com abesta. Terceira apertãdo assy todallas pernas, metendo as pontas dos pees acerca dos couedos das bestas" . Tal estilo pode parecer estranho aos olhos atuais, mas não seria diferente daquele descrito por Xenofonte séculos atras e ainda ao pratico na Irlanda medieval, o qual Giraldus Cambrensis descreve há cerca de 1185: "Quando eles estão cavalgando, não usam selas ou estribos ou esporas. Eles avançam, e guiando seus cavalos por meio de uma vara com uma curva em seu fim superior, que eles seguram com suas mãos. Eles usam as redeas para servir o proposito de ambos freio e embocadura". O uso de "uara" ou "paao" para guiar o cavalo é também descrito brevemente por Duarte, Sigismund von Herberstein faz similar descrição quanto ao modo de cavalgar e arreio moscovita baseado no uso de chicote ao invés de esporas no século XVI: "Muito poucos usam esporas, mas a maioria usa do chicote, que sempre pendura de seu dedo mínimo na mão direita". Os leitores da repensando a lerem este artigo provavelmente já ouviram falar do debate sobre a relevância do estribo para o combate montado medieval, aqui é importante relatar que modos de cavalgar prévios a invenção do estribo já viam seu uso disseminado efetivamente sem grande dificuldade por boa porção da Africa e Eurásia, assim como a historiografia fez muito para reduzir a importância supostamente revolucionaria desses novos tipos de arreio na pratica do cavalgar. Encerro este parágrafo recomendando um artigo recente de Tobias Capwell: "an experimental investigation of late medieval combat with the couched lance" onde o autor, famoso por sua participação em reenactment de justas, comprova o papel negligenciável dos estribos para produzir impactos fortes com lanças.


Após descrever as cinco formas corretas de cavalgar, Duarte conclui afirmando que o cavaleiro ideal faz bem de todas aprender. Pois independente das circunstancias, do tipo especifico de arreio ou mesmo da danificação e incapacidade de "correger" estes o cavaleiro ainda poderia bem cavalgar e se mostrar sempre "forte" e "fremoso"; "E vejo em esta terra todas acustumar, delles e boa e ordenada maneira segunda assella e a obra que faz abesta orrequere".


The History of Julius Caesar (c. 1460). Berne, Historisches Museum. Serie de tapeçarias flamengas retratando a vida de Júlio César, note o tipo de arreio usado para carregar a lança, Duarte descreve uma configuração parecida: "A lança que se traz na perna em armas de justa, em bolssa posta nas pratas, ou no arco da selía, ou sobre aperna como cadahuii mais tem geito".

As próximas recomendações de Duarte concernem se manter sempre "forte" e "dereito" da montaria, evitando cair da sela. O cavaleiro pode cair tanto por malicia do cavalo ou falta de técnica ao cavalgar, quanto a esta falta de técnica o rei critica aqueles que, perdendo o balanço quando montados, tentam se reganhar o apoio pelas rédeas, Duarte deixa claro que a firmeza na sela deve vir das pernas e do bom "endereitar" do corpo, as mãos tendo papel negligenciável. Duarte conclui fazendo analogia entre a forma do bem cavalgar e como portar-se na vida, novamente nota-se o papel pedagógico do livro, andar "dereitamete" e "ledos" não é só qualidade particular do cavalgar mas universal do bom cavaleiro. Ora, algumas das recomendações dadas possuem relevância mesmo em um contexto contemporâneo, Duarte critica aqueles que em maus tempos contentam-se em comentar sobre episódios ruins de suas vidas, acrescentando nos "fallicimentos" e sendo vitimas da presunção e vanglória, as qualidades externas devem provir das internas tal que "pera seermos no mundo boos caualgadores, e nos teermos forte denom cair peraas mallicias com q muytos derribam per esta guisa se uehere cousas contrairas".


O segundo avisamento, de ser "sem receo" ou sem medo corrobora com a exploração do psicologico do cavaleiro previa, existem onze(Duarte lista doze embora apresente onze) formas de ser sem medo: Por nascença, presunção, desejo, ignorância, boa fortuna, habito, razão, por outro "mayor receo", por alguma vantagem, pela raiva e pela graça de Deus. Explica-se que é da natureza de alguns homens nascerem sem medo, vergonha e empacho para certas coisas, alguns temem o mar e não temem lutar e vice-versa, desta forma existem aqueles que são por própria natureza melhores na pratica do cavalgar e mais corajosos, enquanto outros homens são mais acovardados(Duarte usa o sinônimo pejorativo "judeus"). Duarte segue descrevendo as outras formas de ser "sem receo" e suas particularidades, a presunção junto do conhecimento pessoal leva a uma superação do medo, o desejo é voltado a quatro objetivos: lazer, lucro, honra e honestidade, todos os quais podem motivar ao seu alcance, a ignorância de consequências pode trazer a total absência de medo, mas deve-se procurar distinguir entre aquilo que é realmente perigoso e o que não é, o habito resulta na falta de medo, assim deve ter cuidado de não desacostumar-se a situações perigosas, que requeiram coragem como cavalgar bestas ariscas ou transcorrer terreno ardiloso, também a raiva pode provocar a falta de medo, no entanto Duarte deixa claro que não é uma caracteristica propicia de homens bons, pois vai contra "osseu boo entender, e dereita uõotade, com teperança, e fortelleza". Fatores externos também podem diminuir o medo, por bons acontecimentos, medo maior de outra coisa ou vantagem. Das formas de ser "sem receo" a mais apreciada seria certamente pela razão, a esta se diz que nem todos os homens podem obter, pois alguns são fracos e governados por sua própria natureza, o cavaleiro ou escudeiro ideal de Duarte então não é tão diferente do cavaleiro ideal de Raimundo Lúlio, a "fortelleza" está presente não só no corpo, mas primariamente na alma. O ultimo meio descrito é pela graça de Deus, assim quando um homem medroso atua de forma mais corajosa do que o usual e realiza um grande feito, ou um corajoso passa por grande desonra "E da queste se pode dizer, senom que deos por seus pecados odesemparou".


Livro de Horas de D. Fernando. Cena retratando o mês de Junho, com tosquiar de ovelhas e justa, note a presença de uma barreira("tea"), embora usualmente associada a justas esta fora uma inovação ibérica relativamente recente do século XIV, ainda em muitas regiões europeias se praticava a justa sem barreira ou "joust at large".

Duarte também da instruções de como instruir jovens e iniciantes a arte do cavalgar, é explicado que quem inicia esta arte primeiro deve cavalgar um cavalo "muyto saã sem mallicia" e com arreio adequado, a doutrina pedagogica de Duarte diz que deve-se sempre dar ênfase no gabar mais e culpar menos, o iniciante é assim encorajado a melhorar confortavelmente até habituar-se a montaria. Gradualmente o aprendiz é encorajado a sair de sua zona de conforto e passa a montarias mais bravas e a fazer movimentos mais difíceis, igualmente o mestre fica mais rigoroso, agora cobrando mais refinamento no cavalgar quantas vezes achar necessário, aqui Duarte tem dica parecida com quanto comenta sobre o habito, afirmando que para não perder a manha o jovem terá de continuar ocasionalmente cavalgando bestas maliciosas, a fim de que seu coração não se amoleça e permaneça "sem receo".


A terceira parte lida com a segurança, o foco aqui é a "mostrança" afim de que o cavaleiro possa parecer mais "fremoso". O bem cavalgar é então não só a forma correta, "firme", "solta", "assessegada", mas também "fremosa", ou seja bonita. Duarte avisa a não mostrar cuidado demais ou pressa demais, sempre procurando se corrigir adequadamente. O penúltimo capitulo concerne algumas dicas de como mostrar tal segurança, mostrando maior preocupação com as roupas quando o cavalo portar-se mal ou manter sempre uma atitude calma, mesmo mantendo uma conversa enquanto cavalga um animal bravio afim de mostrar essa segurança.


Duarte agora explica como ser "assessegado" na sela de forma a ter maior "soltura", o cavaleiro deve manter-se em ritmo similar a sua montaria, quando esta passeia levemente demonstrar grande soltura e agilidade, quando aumentar o ritmo maior firmeza, cuidado deve ser tomado para não permanercer fime demais quando não necessário pois tal demonstraria que ele tem receio do seu cavalo. E as partes "assessegadas" são primariamente a porção superior do corpo, de joelhos para cima, aqui Duarte reafirma as qualidades do cavaleiro já mencionadas antes, "forte", "fremoso", "seguro", servindo em prol da forma correta de cavalgar. As recomendações de Duarte tem uma faceta bastante pratica, a arte do cavalgar requer sempre que o cavaleiro mova-se junto do cavalo sem obstruir os movimentos do animal, de certa forma os absorvendo e acompanhando seu próprio ritmo, assim é de qualidade essencial o "assessego" descrito por Dom Duarte.


História do invencível cavaleiro Dom Polindo(1526). Note a maneira de cavalgar "a la brida" com as pernas estiradas, apesar de quase um século após os escritos de Duarte os estilos de cavalgar descritos por ele eram ainda praticados.

A quinta seção do livro, sobre a "soltura" é uma das mais longas e detalhadas, Duarte lista varias recomendações para os cavaleiros, seja no manuseio de lanças ou no "bem encontrar" das justas. Algumas informações essenciais a pratica do "rossfechten"(combate a cavalo) são dadas, incluindo instruções sobre como caçar "alymarias"(animais selvagens), passatempo tipico da aristocracia. Aqui é importante relatar o imenso papel da caça como preparação para a guerra, já Xenofonte descrevera os muitos aspectos nos quais as duas praticas coincidem, na preparação física ao ter de transcorrer terreno difícil carregando peso, no habito de se levantar cedo e perseguir em boa ordem, e em outro fator que não pode ser negligenciado, no maior preparo psicológico que os caçadores obtêm, seja em ter de coordenar seus movimentos enquanto analisam o terreno, seja na sensação muito real de confrontar um oponente em carne e osso. O próprio pai de Dom Duarte, João I, descreve em seu livro da montaria: "ca de todallas cousas que de encontrar seiam, que pertencem a hua guerra, todallas ensina o andar ao monte: ca encontrar a trauez, a direito, como em fugindolhe, como em lugar embargoso também como em bóo, como de sobreuento, por todallas maneiras".


Afonso XI de Castela também descreve onde a caça e a guerra são similares: a guerra demanda gastos sem recompensas, bons cavalos e armas, vigor, e a capacidade de sustentar-se sem dormir, sofrer a falta de boas comidas e bebidas, acordar cedo, aturar uma cama ruim, frio e calor e esconder o próprio medo. É interessante que uma das recomendações de Dom Duarte na casa corrobora com as de outro autor sobre a pratica da caça no medievo, Gaston Febo, que em seu "Livre de chasse" descreve como infringir uma ferida mortal: Almejando perfurar o coração e pulmões pela escápula, a mesma maneira descrita por D. Duarte: "E quando uyer ao encõtro dueue teer metes deo ferir perãtre as spadoas, ca este he olugar onde odo cauallo ha decontrar, husso, touro, ou porco, se em besta de razoada grandeza andar queo possa fazer, por que ally he omeo, e esta em razõ que erre mais poucas uezes Etse allãça por ally uay dentro ao uaao, cõueni que de no coraço ou bofes per q amais asynha matara".


Duarte também descreve as quatro vontades que motivam uma pessoa. A primeira que é carnal visa apenas lazer e evitar qualquer perigo, a segunda intitulada espiritual procura seguir as virtudes, mesmo que em detrimento do corpo, a terceira Duarte chama de "prazenteira" que visa apaziguar ambas primeiras sem nenhuma infligir, assim procura fazer grandes feitos, mas sem o risco cujos feitos necessariamente deveriam requerer. Finalmente a quarta seria a "muyto perfeita e uirtuosa", seguindo sempre a razão, qualidade essencial do cavaleiro ideal de Duarte, e não necessariamente agradando as duas primeiras. E Duarte explica sobre como em justas as vontades levam cavaleiros não "bem encontrar" seus oponentes, pois não querem justar por medo do que seus corpos estariam sujeitos e desviam da colisão ou ficam firmes de medo, fechando os olhos no momento do impacto, Duarte explica que devemos sempre agir em prol da quarta vontade, e analisando do que somos capazes e o que deve ser feito agir de acordo com a razão.


As duas seções finais são, como descritas previamente, curtas e inacabadas, a sexta elabora o uso de esporas correto, que não é constante mas apenas usado em situações especificas para tirar qualquer receio do cavalo, entre as situações descritas são mencionados novamente encontros em justas, caça a animais selvagens e até mesmo ter de se locomover entre uma multidão de pessoas. No sétimo é explicado como se guardar dos mais diversos perigos, principalmente prestando atenção no estado do arreio da montaria, o "rei-filósofo" provavelmente não tivera tempo para organizar este capitulo de forma concisa, o que fica claro após leitura.


Uma curiosidade não saciada pelo bem cavalgar é quanto a própria montaria, os capítulos que Dom Duarte conseguira escrever lidam primariamente com o cavaleiro ao invés do cavalo. É uma situação completamente diferente ao Hippiké de Xenofonte por exemplo, cujo centro da doutrina se situa no próprio animal. Possivelmente isto indicaria uma forma diferente de associar-se ao cavalo pelo homem no medievo, mas estando a obra de Duarte incompleta fica difícil dizer com segurança, talvez Duarte decidira não cobrir o assunto em tanto detalhe pelo gênero literário da alveitaria já ser imensamente popular pela Europa medieval, um exemplo bom é o tratado de alveitaria de Jordanus Rufus, cavaleiro da corte de Frederico II no século XIII, que chegou a ser traduzido ao italiano, língua occitana, línguas de oïl, alemão e hebraico.


Adicionalmente, é importante notar que os dezesseis avisamentos, os quatro finais seriam voltados ao cavalo em si, sobre suas manhas, embocaduras, qualidades e particularidades, mas infelizmente, parafraseando Joseph-Maria Piel: "Deus infelizmente não quis que o autor realizasse este projecto".


- Pedro Henrique


Referências:

- Maués, Fernando. "As ensinanças do livro do cavalgar" Universidade Federal do Pará. - Tomassini, GB. "Riding as a way to cultivate the soul Dom Duarte and the remedies against fear". - Lull, Ramon. "O Livro da Ordem de Cavalaria (c. 1274-1276)" Trad: Ricardo da Costa. Brasil: RAIMUNDO LULIO, 2010. - Clark, John. The Medieval Horse and its Equipment, c. 1150-1450. Boydell Press, 2011. - Capwell, Tobias. "AN EXPERIMENTAL INVESTIGATION OF LATE MEDIEVAL COMBAT WITH THE COUCHED LANCE". - Duarte. "Livro da ensinança de bem cavalgar toda sella". Trad: Franco Preto, Jeffrey L. Forgeng. - Swinney, Richard. "Medieval Hunting as Training for War Insights for the Modern Swordsman".


Alguns videos interessantes aos seguidores da repensando quanto ao cavalgar medieval.

Primariamente temos estas interpretações de Isak Krogh e Arne Koets das técnicas a cavalo descritas no "Fior di battaglia" por Fiore dei Liberi:

https://youtu.be/fdAR8BUpa6U



Também temos uma nova série de Jason Kingsley retratando vários aspectos da vida de um cavaleiro:




0 comentário

Kommentare


bottom of page