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O Castelo de Guimarães, das suas origens ao século XV

Atualizado: 12 de out. de 2021

Um artigo original de 'Repensando a Idade Média',


Visão aérea do castelo. Adicionei esta fotografia de modo a que os nossos seguidores possam ter mais ou menos uma ideia do seu aspecto global.

O Castelo de Guimarães: das suas origens ao século XV

Antes de mais, gostaria de agradecer ao Professor Mário Barroca pela sua amabilidade em disponibilizar-me algumas páginas de um seu artigo sobre a fase românica do Castelo de Guimarães.

O Castelo de Guimarães é um dos monumentos mais famosos de Portugal como símbolo da nacionalidade e objecto de associação imediata por parte dos portugueses quando se fala da Idade Média ou da formação de Portugal, mas a História desta fortificação é bem mais complexa do que a mitologia vimaranense ou do Estado Novo, ainda muito populares na concepção histórica da população portuguesa, deixam entender à partida.


Castelo de Guimarães visto de Nordeste.

Porém, antes de mais, voltemos às origens de Guimarães de modo a podermos compreender o porquê da edificação da fortaleza pré-românica original. A condessa Mumadona Dias, como é bem sabido, fundou um mosteiro na "Villa Vimaranes" (desde 1107 a Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira) por volta de 950 e, de acordo com um codicilo ao seu testamento de 959, adicionado em 968, é afirmado que um castelo chamado de São Mamede tinha sido erigido por sua iniciativa no Monte Latito devido a ataques de “gentios”, numa altura indeterminada pela nossa fonte. Contudo, é possível datar a fortificação um pouco mais precisamente, pois um documento de 957 se refere ao mosteiro como “ad radice Montis Latito”, o que embora não possa excluir uma pura menção geográfica, provavelmente tem um significado militar como em outros documentos da época. Mesmo assim, apesar de termos esta indicação de ataques na zona, o propósito defensivo original do castelo ainda não está plenamente esclarecido: podemos fazer um paralelismo com outras fortificações na Galiza provável ou certamente destinadas para a defesa contra os Viquingues, mas também havia ataques marítimos regulares vindos do al-Andalus, pelo menos até bem entrado o século XII. Dada a laconicidade das fontes, não podemos concluir a precisa identidade dos atacantes em meados do século X e talvez a fortificação até tivesse sido construída contra ambos, daí possivelmente a própria ambiguidade de "gentios".


Desengane-se quem pensar que um castelo pré-românico seria como o de hoje, reconstruído vários séculos depois como veremos a seguir. Talvez fosse como muitos outros castelos roqueiros e tivesse apenas um muro aproveitando a topografia do terreno e eventuais trabalhos com terra, o que parece ser sugerido por essa primeira provável menção ao castelo ou até pelo termo “laboravimus” usado pela condessa em 968. Também, como Hélio Pires sugeriu, seguindo Fernando José Teixeira, poderia ter uma torre como a do castelo de Trancoso, com ou sem muralha à volta, devido ao facto de "castellum" implicar uma estrutura mais elaborada do que outras fortificações na nomenclatura alto-medieval, embora esta não fosse uma torre de menagem.


Infelizmente, não temos temos um reaproveitamento desta suposta torre como em Trancoso ou sequer provas arqueológicas desta, o que, sem querermos entrar com argumentos de silêncio, inspira reservas. No fim de contas, não sabemos praticamente nada sobre as estruturas do interior do castelo nesta fase. Para além disto, a fortificação alto-medieval não teria necessariamente de usar a pedra, fazendo provavelmente também uso da madeira e de terra. De qualquer modo, não há vestígios reconhecíveis dessa fase e as notícias são muito escassas durante o século seguinte.


A vermelho está sinalizada a sapata proto-românica do castelo

Torre de menagem do castelo de Trancoso. Esta imagem foi incluída para que os leitores possam ter uma ideia do formato de uma torre alto-medieval, apesar de obras posteriores de adaptação a torre de menagem. Termos uma ideia de como seria esta torre ganha ainda mais importância quando temos em mente que este castelo foi doado em 960 pela condessa Chamôa Rodrigues, sobrinha de Mumadona Dias, ao Mosteiro de Guimarães.

Mais restos proto-românicos do castelo. Fotografia retirada da tese de Rafael Azevedo Silva.

A torre entaipada no Torreão Sul. Originalmente, seria a Porta da Vila no castelo românico.

Reconstituição da fase românica do castelo. Fotografia retirada da tese de Rafael Azevedo Silva.

Em finais de 1095 ou inícios de 1096, Afonso VI outorgou a D. Henrique e a D. Teresa o Condado Portucalense como senhorio hereditário. Não muito depois dessa doação, nesta viragem do século XI para o XII, e talvez relacionado com o foral outorgado em 1096 à vila, assiste-se a uma reconstrução do castelo já num estilo proto-românico (Fase I), com pedras sem siglas e num aparelho pseudo-isódomo, i.e., com pedras em fileiras claramente organizadas, mas com ligeiras variações de altura entre elas. Ainda se podem ver algumas secções deste nas áreas assinaladas no mapa abaixo, do qual destaco a sapata em frente da Porta da Traição do castelo, por onde os visitantes entram. Esta construção foi reforçada por uma reforma românica (Fase II) ao longo do século XII, com pedras menores, sem siglas e um pouco mais regulares ainda que também num aparelho pseudo-isódomo. Finalmente, graças a estas obras adquiriu grosso modo a planta actual. Dessa fase, ainda são visíveis a porta entaipada no Torreão Sul (originalmente a Porta da Vila) e o adarve primitivo do castelo num sector perto da Porta da Traição, mais baixo do que o actual e tapado devido ao crescimento das muralhas na reforma gótica do castelo. Ao contrário da sua conformação actual, ambas as fases ainda não possuíam uma torre de menagem ou os icónicos torreões, sendo ainda pouco mais do que um muro com feições arredondadas nas suas extremidades, apesar de este ser bastante mais sólido do que o anterior. Neste aspecto, a Fase II seria muito semelhante a outros castelos de iniciativa régia da época de Afonso Henriques como Germanelo ou provavelmente Castro Laboreiro, i.e., ainda que muito defensável, relativamente modesto face ao monumento visível hoje em dia. Por fim, considero importante salientar que o castelo, apesar de não ser um local de residência palaciana, conteria casas, destinadas à guarnição e talvez alguns outros residentes, referidas nas Inquirições de 1258, das quais algumas foram provavelmente encontradas em escavações de inícios da década de 1930 nos alicerces da torre de menagem.


Codicilo datado da Era de 1006 (968 AD) ao testamento de Mumadona Dias (959). Este é um dos primeiros documentos a mencionar o Castelo de São Mamede, apesar de um outro datado de 957 provavelmente também se lhe referir. De acordo com este documento, a região tinha sido atacada por gentios: "Post non multo uero temporis quod hunc series testamenti in conspectu multorum est confirmatum persecutio gentilium irruit in huius nostre religionis suburbiu". Como resposta aos ataques, ter-se-ia erigido o castelo: "et ante illorum metum laborauimus castellum quod uocitant sanctum mames in locum predictum alpe latito quod est super huius monasterio constructum et post defensaculo huius sancto cenobio concedimus". Livro de D. Mumadona, ANTT, fol. 4, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Planta do castelo com indicações dos restos proto-românicos assinalados por letras. Esta fotografia foi retirada do artigo do Professor Mário Barroca, a quem muito agradecemos por no-lo ter cedido, citado na bibliografia

Planta do castelo com a diferença entre a fase românica e gótica. A primeira recorria geralmente a muros arredondados nas extremidades como solução para compensar a falta de torres. Fotografia retirada da tese de Rafael Azevedo Silva.

O adarve românico do castelo ainda é visível num dos lances de muralha perto da Porta da Traição. Quando se procedeu à reforma gótica do castelo, tapou-se aqui o adarve e o muro foi aumentado. Fotografia retirada da tese de Rafael Azevedo Silva.


Ao centro, pode ver-se Afonso II a manifestar o seu luto pela morte da sua esposa, Urraca de Castela. Esta escultura é da face anterior do túmulo de Urraca (c. 1220), erroneamente atribuído a Beatriz de Castela, esposa de Afonso III. Está exposto no Mosteiro de Alcobaça.

Estátua de um rei datada do século XII. Pensa-se que provavelmente representará Afonso Henriques, embora não se possa descartar que possa ser um rei veterotestamentário. Está actualmente exposta no Núcleo Museológico da Igreja de São Pedro de Rates, no concelho da Póvoa de Varzim.

Para termos de comparação no relativo a castelos românicos, apresento também o castelo de Germanelo, construído por iniciativa de Afonso I e abandonado pouco depois da sua construção.

Não obstante a menor imponência do conjunto arquitectónico, o Castelo de Guimarães viria a assumir um papel muito importante na formação de Portugal, entre finais do século XI e inícios do XIV. Esclareçamos a este propósito o seguinte: tal importância não advinha de ser o local de nascimento de Afonso Henriques (1106), que muito provavelmente não ocorreu em Guimarães ou até em terras portucalenses, nem por ser aqui o paço dos condes portucalenses em Guimarães (próximo da actual Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, entre a cerca desta instituição e a Rua dos Francos, algures próximo da actual Praça de Santiago). Todavia, esta fortificação era um centro militar e simbólico do poder condal/régio no Entre-Douro-e-Minho, para além de defender um dos burgos economicamente mais activos da época, que ainda por cima se localizava num ponto central das vias medievas da região. Daí a sua importância em vários eventos do período, dos quais destaco os seguintes:


- em 1127, depois de um ataque falhado por parte de D. Teresa na Galiza (acreditando na “Historia Compostelana”), as forças de Afonso VII de Leão e Castela cercaram o castelo, defendido por Afonso Henriques, enquanto a sua mãe e o marido, Fernão Peres de Trava, fugiam para Coimbra. Apesar da sua resistência tenaz e talvez devido possíveis dificuldades com faltas de mantimentos, talvez mencionadas na confirmação do foral da vila de 1128, o infante teve finalmente de se render ao primo e aceitar um acordo ambíguo pelo qual aceitaria ser vassalo do primo sem ter autoridade para fazê-lo. Seguidamente, acompanhou-o a Santiago de Compostela, onde a sua presença está atestada por três documentos da chancelaria da catedral compostelana de 13 de Novembro de 1127. A história da jornada de Egas Moniz a Toledo, onde supostamente se apresentou com a corda ao pescoço perante Afonso VII, não passa de mais um mito da tradição construída pelo seu descendente João Soares Coelho na segunda metade do século XIII e ampliada a partir daí pela tradição cronística portuguesa;


- no ano seguinte, a 24 de Junho, dia de S. João Baptista, o Campo de S. Mamede, praticamente ao lado do castelo, assistiu ao fatídico encontro entre as forças de Afonso Henriques, principalmente da nobreza senhorial nortenha, e as da rainha D. Teresa e dos Trava, com efectivos principalmente galegos ou dos cavaleiros-vilãos de Viseu e Coimbra. Como resultado desta confrontação, os infanções portucalenses conseguiram eliminar a influência dos Trava sobre o Condado Portucalense, rejeitando assim as políticas de D. Teresa de tentar recriar um reino galego. Em substituição da condessa-rainha, estabeleceram um jovem Afonso Henriques no poder numa situação um pouco desconfortável de dependência para com eles nos anos a seguir. A este respeito, é ilustrativo o simbolismo de tradições tardias sobre como Soeiro Mendes da Maia ou Egas Moniz teriam persuadido um jovem príncipe em fuga a voltar ao campo de batalha e vencer a refrega, o que era mais um dispositivo literário com o objectivo de lembrar a monarcas em finais da Idade Média, nomeadamente a D. Dinis, que deviam a coroa à nobreza senhorial cujo poder cerceavam com as suas políticas de centralização régia;


- em 1212, uma intervenção fulminante de Afonso IX de Leão a favor da rainha (e ex-mulher do leonês) Teresa, aquando da guerra civil que opôs Afonso II de Portugal aos seus irmãos a seguir à morte do pai, Sancho I, conquistou não só um elevadíssimo número de castelos fronteiriços como chegou a ocupar quase todo o reino (incluindo Coimbra), em boa medida devido às traições de muitos alcaides trazidos para o lado rebelde pelo conde Gonçalo Mendes de Sousa, o antigo mordomo-mor de Sancho I. Afonso II teve de se refugiar neste castelo como último reduto aquando da guerra civil que o opôs aos seus irmãos, entre Abril e Novembro desse ano. Finalmente, o Papa Inocêncio III e Afonso VIII de Castela, após o fim da distração da campanha das Navas de Tolosa, conseguiram mediar a disputa entre os dois lados de um modo minimamente satisfatório para o monarca português, com um encontro entre os dois contendores mediado pelo rei castelhano em Coimbra (Novembro). Como tal, este castelo acabou por ser vital no programa afonsino de defender a indivisibilidade do reino português face aos senhorios das suas irmãs e evitou uma derrota total potencialmente muito perigosa para a sobrevivência do reino a longo prazo.


Vista aérea do castelo de Guimarães. Agradeço ao Pedro Alves por me ter cedido a imagem.

O castelo de Guimarães sofreu reformas de adaptação à arquitectura militar gótica na segunda metade do século XIII (Fase III). Estas obras já estão atestadas em 1254, e talvez continuariam pelo menos até 1321, quando o “lavor do castello de Guimarães” é ainda mencionado na chancelaria de D. Dinis. A reforma gótica, com pedras sigladas, assistiu à instalação dos oito torreões da muralha, instalados nas áreas mais sensíveis como as Portas da Vila e da Traição (a primeira ligava à vila e a outra para fora desta) ou vários dos ângulos da fortificação, e ao aumento em altura ou reconstrução de muros do castelo, subindo assim o nível do adarve* para o seu nível actual. A isto acresce a construção da torre de menagem, com quase 25 metros de altura e dotada originalmente de um hurdício, uma estrutura de madeira pela qual se poderiam atirar projécteis sobre os atacantes (ver maquete nas fotografias). O passadiço por onde hoje os turistas passam para ver a exposição dentro da torre poderia ser levantado em caso de necessidade.


Maquete do castelo na época de D. Dinis, com o hurdício na torre de menagem. Retirado da tese de Rafael Azevedo.

A todos estes melhoramentos, acresciam-se as muralhas da vila, em construção também desde 1254 até pelo menos 1318, que para além de oferecerem protecção às casas do burgo, também permitiam evitar que o castelo se enchesse com refugiados à procura de abrigo. O castelo está articulado com estas muralhas, parcialmente preservadas nos pontos de contacto com os torreões Norte e Sul.


A Fachada Poente do castelo, correspondente à Porta da Vila.

Vista exterior do Paço do Alcaide do castelo de Guimarães (séculos XV-XVI).

Se o castelo românico era um osso duro de roer e palco importante da História portuguesa, a fortificação gótica desempenhou também um papel importantíssimo em vários dos conflitos internos e externos durante o século XIV, resistindo com mais ou menos sucesso a vários cercos em conjunto com as muralhas da cidade (indissociáveis), como veremos a seguir de modo sucinto:


- 1322: Guimarães resistiu, entre finais de Março e inícios de Abril, ao cerco do Infante Afonso, sob o comando do meirinho-mor do reino (simplificando para quem não anda a par da estrutura administrativa da época, uma espécie de “chefe da polícia”) e alcaide deste castelo, Mem Rodrigues de Vasconcelos. Assim foi travada a ofensiva fulminante do infante desde Coimbra e D. Dinis pôde recuperar a iniciativa com um ataque sobre Leiria e Coimbra. Infelizmente, não se conhece o exacto estado das obras das defesas de Guimarães nesta altura. Embora a sua conclusão seja provável, pelo menos no relativo ao castelo, até pela defesa bem-sucedida do alcaide vimaranense, é possível que ainda não tivessem sido completadas nesta altura;


- 1369: a Primeira Guerra Fernandina ainda é mal compreendida pela historiografia portuguesa em certos aspectos e o seu estudo não é apropriado para uma página de divulgação histórica como o Repensando, contudo tentemos um resumo do cerco de Guimarães nesta altura, com base num dos cronistas mais fascinantes e problemáticos da Idade Média portuguesa: Fernão Lopes. Mais uma vez, a vila de Guimarães travou uma ofensiva, desta vez estrangeira, no quadro da Primeira Guerra Fernandina. Após o “passeio militar” de Fernando I na Galiza, Enrique II de Castela reagiu com a sua própria expedição pela Galiza e mais tarde por Entre-Douro-e-Minho.


Enrique II e Juan I de Castela. Pormenor do Retábulo da Virgem de Tobed, Museu do Prado.

Após a tomada por traição do castelo de Braga, as forças castelhanas dirigiram-se a Guimarães, tendo começado o cerco a 1 de Setembro (data um pouco problemática) após algumas escaramuças iniciais. Rapidamente, o cerco escalou de intensidade, procurando o rei castelhano vencer a vila, quer com assaltos continuados com máquinas de cerco quer com uma tentativa de infiltração de Diogo Gonçalves de Castro, que se fazia passar por um homem do julgado de Guimarães e procurava incendiar a vila de modo a distrair os habitantes de um ataque castelhano. Infelizmente, o agente castelhano foi reconhecido e morto. Por outro lado, os defensores retaliavam com as suas próprias máquinas de cerco e assaltavam o arraial castelhano, de onde poderão ter libertado o conde petrista Fernando de Castro, prisioneiro de Enrique II (ou talvez ele se tenha conluiado com o homem que o guardava para fugir e encontrar refúgio no castelo). De qualquer das maneiras, este cerco acabou quando Fernando I liderou um exército de socorro desde Coimbra até ao Porto, forçando Henrique II a retirar-se. Contudo, como retaliação o rei castelhano pôs Trás-os-Montes a ferro e fogo aquando da sua retirada;


Túmulo de D. Fernando (m. 1383). Museu do Carmo, Lisboa.

- 1385: depois da aclamação de João I como rei a 6 de Abril de 1385, Nun’Álvares Pereira começou a submeter à sua autoridade a maior parte dos castelos no Entre-Douro-e-Minho, onde só o Porto e o castelo de Gaia (destruído em 1384 pelas gentes do Porto…) tinham voz pelo Mestre de Avis. O rei, depois de ter passado pelo Porto, juntou-se ao Santo Condestável e cercaram vários castelos e vilas, incluindo o de Braga, Guimarães ou Ponte de Lima. Em Guimarães, o alcaide era desta vez Aires Gomes da Silva, o antigo aio de Fernando I, que apesar de doente era um comandante muito experiente. Após conseguir dominar a vila com a ajuda de dois homens locais que lhe abriram as portas, o cerco do castelo começou a 8 de Maio. Com a ajuda de artesãos do Porto e após concentrar homens e recursos, o novo monarca português ordenou a construção de uma bastida (uma plataforma de onde os atacantes poderiam ganhar vantagem de altura sobre os sitiados e disparar sobre o adarve com bestas ou balistas) e de escadas, usadas para um primeiro assalto ao castelo. Com uma das escadas quebradas por uma pedra atirada pelos sitiados, D. João I ordenou a retirada, mas de seguida tentou incendiar as portas sem sucesso. Em virtude deste assalto, ou talvez de um ataque fracassado ao arraial do rei que teria acabado no incêndio das portas e a entrada da hoste régia na muralha do castelo, Aires Gomes da Silva pediu preitesia** ao rei. O acordo foi firmado, todavia as hostilidades recomeçaram quando os atacantes, sem consentimento régio, puseram fogo às portas do muro e penetraram na cerca velha, de acordo com Fernão Lopes. Quando soube disto, João I pediu desculpas a Gomes Aires da Silva, mas recusou-se a devolver o controlo sobre os muros… Os combates recomeçaram até que o mensageiro enviado pelos sitiados a Juan I noticiou a falta de ajuda castelhana (o monarca castelhano planeava uma nova invasão). Finalmente, o alcaide vimaranense rendeu-se provavelmente em inícios de Junho e saiu da vila, morrendo pouco depois;


Retrato póstumo de D. João I (século XV). Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

O Paço do Alcaide.

Entrada da torre de menagem. Esta apresenta uma porta com arco perfeito. O passadiço seria originalmente levadiço, permitindo assim a defesa dos homens do alcaide em caso de penetração inimiga na muralha.

Após a revolução de 1383-1385, posto que não tenha experimentado mais episódios militares de monta, o castelo não foi abandonado subitamente. Bem pelo contrário, na viragem do século XIV para o XV, provavelmente por iniciativa de João I, foi edificada uma barracã e, mais tarde, edificou-se o Paço do Alcaide, erroneamente associado com o conde D. Henrique. A este propósito, comentamos que o Paço, com 4 andares e uma área média de 100-120 metros quadrados, é uma estrutura invulgar no panorama dos castelos medievais portugueses, sendo as habitações dos alcaides geralmente bem mais modestas na documentação ou restos existentes. O declínio só começaria a ocorrer já no século XVI, devido à evolução da prática bélica, tendo o castelo passado a albergar a prisão vimaranense.


A fachada Nascente, correspondente à Porta da Traição.

*Adarve – Passeio da ronda de um castelo. **Preitesia – trégua, por um período negociado, durante a qual os sitiados num cerco pediriam ajuda ao seu senhor, que era no caso citado aqui Juan I e D. Beatriz. Depois, ou seria enviada ajuda para levantar o cerco ou o castelo seria rendido aos atacantes no fim do período estipulado. Os sitiados poderiam sair em liberdade e com as suas armas se assim o entendessem, com a sua honra intacta.


Torre do Sino de Correr, erroneamente chamada Torre da Forca. Aqui foi instalado, no século XIV, o sino que era tocado quando as portas da vila de Guimarães eram fechadas ao anoitecer.

Secção da muralha da vila comunicante com o Torreão Noroeste.

Fontes usadas:


Azevedo, Rafael da Silva (2011). “Evolução dos Sistemas Fortificados: o Castelo e as Muralhas de Guimarães”. Dissertação de Mestrado Integrado em Engenharia Civil apresentada à Escola de Engenharia da Universidade do Minho.

Barroca, Mário Jorge (1990/1991). “Do castelo da reconquista ao castelo românico (séc. IX a XIII). Portugália, vols. 11-12, pp. 89-136.


Barroca, Mário Jorge (1996). “O Castelo de Guimarães. Patrimonia, Identidade, Ciências Sociais e Fruição Cultural, Nº 1 – Outubro, pp. 17-28.


Christys, Ann (2015). “Vikings in the South. Voyages to Iberia and the Mediterranean”. Bloomsbury Academic, Londres, p. 76.


Costa, Bárbara Patrício Leite (2014). “Engenhos, armas e técnicas de cerco na Idade Média portuguesa (séculos XII-XIV)”. Dissertação de Mestrado em Arqueologia apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pp. 128-130.


Duarte, Luís Miguel Duarte (2006). “Depois de Coimbra”, in Batalhas da História de Portugal, vol. IV, “Guerra pela Independência, 1383-1389”. Quidnovi, Porto, pp. 105-107.


Lopes, Fernão (2004). “Crónica de D. Fernando”, Giuliano Machi (ed.). Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Caps. XXXIV e XXXV.


Martins, Miguel Gomes (2007). “ ‘Para Bellum’. Organização e Prática da Guerra em Portugal durante a Idade Média (1245-1367). Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pp. 402 e 413.


Martins, Miguel Gomes (2012). “A guerra em Portugal no reinado de Afonso II, no contexto das Navas de Tolosa”; in Diez, Carlos Estepa; Ruiz, María Antonia Carmona, Monografias de la Sociedad Española de Estudios Medievales, nº 5, “La Península Ibérica en los Tiempos de las Navas de Tolosa”. Sociedad Española de Estudios Medievales, Madrid, 2014, pp. 443-458.


Martins, Miguel Gomes (2015). “Guerreiros de Pedra: Castelos, Muralhas e Guerra de Cerco em Portugal na Idade Média”. Esfera dos Livros, Lisboa, pp. 45-48 e 257-258.


Mattoso, José (2007). “D. Afonso Henriques”. Temas & Debates, 2ª edição, Lisboa, pp. 58-65.


Pires, Hélio (2012). “Incursões Nórdicas no Ocidente Ibérico (844-1147): Fontes, História e Vestígios”. Dissertação de Doutoramento em História Medieval apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, pp. 134-136 e 251-253. ~ José



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