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Homens-de-Armas e Cavalaria no Contexto Militar Inglês

Atualizado: 12 de out. de 2021

Um artigo original de 'Repensando a Idade Média':


Homens-de-Armas e Cavalaria no Contexto Militar Inglês


A classe militar dos homens-de-armas engloba indivíduos de diversas condições sociais, tendo como semelhança a capacidade prévia de arcar com os custos envolvidos pela mesma; isto é, pagar e manter as armas, as armaduras, os cavalos e os servos (ou “valets”). No fim das contas, o montante de dinheiro envolvido para apresentar-se como homem-de-armas em uma inspeção bianual de equipamento ou num recrutamento por contrato acabava se provando bastante custoso, mas definitivamente acessível para determinados indivíduos aquém do status da nobreza, ou “gentry”, como eram chamados. A percepção de que os homens-de-armas eram todos advindos da nobreza é equivocada, portanto, é necessário dissecar melhor o assunto, ainda que tenhamos como conclusão final o ponto de que as classes militares não são senão o próprio reflexo das próprias classes sociais medievais em um contexto de campanha.



A nobreza inglesa possuí uma hierarquia, começando do mais alto - o Rei – até os mais baixos – cavaleiros e escudeiros. Segue-se:

King; Prince (of Wales); Duke; Earl; Baron; Knight; Esquire.


A existência de uma hierarquia não deve ser tomada de forma a pensar que um indivíduo de status inferior a outro necessariamente seria menos abastado ou teria menor relevância na matéria de guerra e hierarquia militar. Temos referências abundantes de barões com maiores somas de bens e renda que os Earls mais pobres e de cavaleiros sob o comando de um maior número de tropas e com mais autoridade militar que certos Barões e Earls. A hierarquia era uma questão de honra, status social e, como reflexo, do soldo que era pago durante uma campanha.

Embora o Rei, o Príncipe de Gales, os Duques, Earls (equivalentes de "Condes") e Barões não sejam contabilizados como homens-de-armas na maioria dos documentos militares contemporâneos, a sua forma de prestar combate é virtualmente a mesma, de modo que podemos enquadrar com segurança o seu equipamento como similares em tipo e funcionalidade.



Tendo o exposto em vista, segue-se que os homens-de-armas eram divididos em duas categorias: os cavaleiros (knights) e os escudeiros (esquires).


Dos primeiros, dividiam-se em “knight bachelor”, o cavaleiro comum, e em “knight banneret”, status mais elevado e raro. A principal diferença entre um "banneret" e um "bachelor", além da superioridade hierárquica, se dá no fato de que se esperava que um banneret se apresentasse com muito mais tropas que um cavaleiro comum; de forma que um banneret sempre trazia consigo não só arqueiros, peões e escudeiros, mas também dezenas de outros cavaleiros. Na Borgonha Medieval, um cavaleiro que fosse capaz de arcar com a responsabilidade de trazer pelo menos 50 homens-de-armas consigo poderia graduar-se como um banneret através de uma cerimônia onde se cortavam as pontas de seu 'pennon' (i.e. espécie de flâmula), transformando-a num 'banneret', de onde deriva o nome da classe.



Quanto a questão dos escudeiros, é esperado que o leitor seja tomado pela confusão: se é sabido que nem todos os homens-de-armas eram parte da nobreza, porque todos os homens-de-armas são arrolados ou como cavaleiros ou como escudeiros, tendo em vista que ambos são títulos constituintes da hierarquia nobiliárquica? Bom, esta controvérsia legítima tem como origem a própria contradição dos documentos de época, que por vezes se confundem com o seu referencial devido à falta de conhecimento do tabelião responsável, especialmente se este fosse um clérigo. Mas em outras ocasiões, estes documentos acabam por limitar a repassar algo que, para um leitor contemporâneo, contextualizado e entendido do assunto, não causaria qualquer confusão. E como geralmente as pessoas que lêem tais textos hoje não são contextualizadas, entendidas e muito menos contemporâneas, é corriqueiro que existam confusões.



A questão toda aqui reside no ponto de termos a percepção de que um escudeiro era sempre um jovem de origem nobre que se situava como um aprendiz e servo de um cavaleiro que, em troca de seus serviços, é treinado na profissão das armas para depois tornar-se ele mesmo um cavaleiro. No entanto, especialmente para realidade tardo medieval, a situação era bem mais ampla e confusa do que isto; nesta época, qualquer homem-de-armas que não fosse possuidor do status de cavaleiro era imediatamente um escudeiro, e nem todo aprendiz de cavaleiro era imediatamente enquadrado como escudeiro; sendo, muitas vezes, o que chamamos de valete ou, como era chamado no próprio tempo, apenas garoto (“boy”).


Valetes não eram enquadrados como soldados e sequer seguiam com o resto do exército para o combate. Antes, eram encarregados de guardar os trens-de-bagagem e os pertences de seus mestres. Cada homem-de-armas deveria ter ao menos um único valete.


É verdade que todos os valetes recebiam algum tipo de treinamento com armas, a própria incumbência de proteger o acampamento acaba evidenciando isso. É também verdade que existiam e se prescreviam nos recrutamentos uma porção de valetes armados e equipados como homem-de-armas, o que se chamava na época de “valet-de-armes” ou valete-de-armas. Mas, apesar de tudo isso, eles ainda não seriam arrolados como soldados, embora recebessem pagamento; não dos capitães do exército, os quais recebiam tal quantia de oficiais maiores ou do próprio Rei, mas do seu próprio homem-de-armas, de forma que mesmo homens-de-armas sem o status nobiliárquico poderiam ter seus próprios valetes, assim como escudeiros de ascendência nobre por sua vez também teriam direito aos seus próprios valetes.



Um escudeiro poderia ser um homem jovem ou velho, com ou sem ascendência nobre, e muitas vezes poderia estar até mesmo “contente com a sua condição” pelo simples fato de que, caso fosse elevado a cavaleiro, este não teria condições de arcar com o custo de vida associado à classe; uma realidade comum não só à Inglaterra, mas a todos os países da Europa Católica que introduziram este sistema de cavalaria. Desta forma, o perfil do escudeiro era sempre bastante variado, o que também explica o porquê destes sempre serem numericamente superiores aos cavaleiros: no século XV, apenas dentre 5 a 10% de todos os homens de armas ingleses eram cavaleiros; com esta proporção sendo ligeiramente mais elevada em países tradicionalmente feudais, como a França (até 15%) e menos elevados em países que adotaram parcialmente o sistema feudal, como principados da Alemanha.


É claro que distinções costumavam ser reforçadas, até por questões de autoafirmação da nobreza. Um exemplo era o privilégio relativo às esporas: os cavaleiros, e em tese somente eles dentre toda a hierarquia dos nobres, poderiam vestir-se com esporas douradas; já os escudeiros “tradicionais”, fariam o mesmo, porém com esporas prateadas. Não se sabe exatamente até que ponto estes privilégios eram realmente fiscalizados, mas por volta de meados do século XV surgiu uma distinção militar mais relevante que ajudou a dividir a classe militar nos moldes da hierarquia social vigente: a divisão dos homens-de-armas em três categorias. Agora enquadravam-se cavaleiros, escudeiros e homens de “menor status que fidalgo” (ing. men of lesser-than-gentle status).


Identured Contract mais antigo que sobreviveu ao tempo, datando das últimas décadas do século XIII

Na foto, um dos primeiros exemplos de Indentured Contract, um sistema de contratos militares que suplantou o feudalismo tradicional. Este "feudalismo bastardo" na realidade guarda pouquíssimas distinções de um sistema de mercenários, salvo na concepção de lealdade reforçada pela literatura. O nome "indentured" refere-se à estes diversos dentes abertos em uma das extremidades do contrato; isso porque estes contratos eram feitos originalmente em uma única folha, pelo contratante e o contratado, explicitando os termos de serviço como: o tempo de serviço prestado (geralmente 6 meses), a sua localização (onde seria feita a campanha) e a função militar exercida (arqueiro, homem-de-armas, hobilar ou homines armati); o contrato era então rasgado de forma que os dentes da parte do contratado correspondessem aos do contratante, evitando a possibilidade de falsificação.


Tabela de pagamentos do exército inglês por dia de serviço. Embora o pagamento não fosse dado diariamente (era geralmente feito a cada 4 ou 6 meses), eles levavam em consideração todos os dias de serviço. Os simbolos são uma convenção medieval que designam libra, shilling e denário.

Para aqueles que tomarem interesse pelo exército inglês entre 1369 e 1453 este site pode ser bem útil.


Pedro Gaião

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