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De além-Reno para as Américas, a "Serpe" como símbolo monárquico Luso-Brasileiro

Atualizado: 12 de out. de 2021

Um artigo original de 'Repensando a Idade Média',


Brasão de armas de Portugal, do "Livro da Nobreza e Perfeiçam das Armas" (Século XVI).

De além-Reno para as Américas: a "Serpe" como símbolo monárquico Luso-Brasileiro, (mais) uma história nunca contada.


Quando pensamos em dragões como símbolo heráldico a primeira ideia que nos vem à mente será certamente a da já bem famosa bandeira do País de Gales com seu dragão vermelho. Acontece que esse não foi o único símbolo do mesmo tipo na Europa medieval. O brasão de armas de Portugal ostentava igualmente um dragão, ou "serpe" (serpente), como se dizia no português antigo.

A Serpe é um dragão de duas patas, chamado de "Wyvern" em inglês, e aparentado com o seu irmão de quatro patas. Conhecido por ser uma criatura mítica mais obscura, até ao século XVI nenhuma distinção era feita entre os dois animais mas a partir dessa época convencionou-se separá-los dando um nome próprio ao dragão de duas patas.


Rei de Portugal no Livro do Armorial de Cavalaria da Ordem do Tosão de Ouro" (Século XV). Segundo a data da edição original aqui mostrada presume-se que seja a representação do rei D.Duarte (1391-1438), com a sua coroa encimada pela Serpe, símbolo do reino.

O DRAGÃO DOS SUEVOS:

A adopção da Serpe como símbolo heráldico Português é ainda envolta em algum mistério e teve diversas explicações ao longo dos séculos. A primeira versão, oferecida pelo monge Agostiniano Frei Bernardo de Brito na sua obra "Monarchia Lusytana" do mosteiro de Santa Cruz em Coimbra no século XVII, colocava um dragão verde de duas patas e cuspidor de fogo em fundo branco como símbolo do Reino Suevo entre os séculos V e VI AD, cuja referência é escrita por ele desta forma:

"Ataces, rei dos Alanos, depois de destruir completamente a cidade de Conímbriga, decidiu estabelecer uma nova cidade com o mesmo nome na margem direita do rio Mondego. Enquanto Ataces supervisionava a construção da nova Coimbra, subitamente surgiu Hermerico, rei dos Suevos, tentando capturá-lo para vingar as derrotas anteriores do seu povo. A luta entre as duas facções foi tão sangrenta que as águas do Mondego viraram vermelho vivo.

Hermerico recuou para norte mas Ataces perseguiu o rei Suevo e obrigou-o a fazer a paz. Para firmá-la, Hermerico ofereceu a mão de sua própria filha, Cindazunda, a Ataces.

Para celebrar o casamento, o rei Alano ofereceu à cidade de Coimbra o brasão que ainda hoje ostenta: a figura de uma dama coroada, representando Cindazunda, um Leão, timbre de valentia, e um Dragão, o timbre de Hermerico".


A Serpe foi assim associada aos Suevos, tal como o Leão foi associado aos Alanos. Existem outras referências mais à ligação entre a Serpe e os Suevos, como num memorando aconselhando a mudança do brasão de armas apresentado pelo Capítulo da Sé de Lugo às cortes do Reino da Galiza no dia 15 de Fevereiro de 1669, onde se pode ler:

(...) "de aqui em diante decide-se apagar a serpe verde e o leão vermelho, as armas dos antigos reis Suevos que governavam este reino naquele tempo, e trocá-los pela taça do Graal consagrado por Nosso Senhor Jesus Cristo."


Mais referências podem ser encontradas no livro "Ciencia Heroyca Reducida a las Leyes Heraldicas del Bláson", uma obra Castelhana do século XVIII.


Bandeira não-oficial do Reino da Galiza até 1669, onde surgem a Serpe verde dos Suevos e o Leão tinto dos Alanos, com o cálice do Santo Graal, conforme descrição da Colegiada da Sé de Lugo.

Brasão da cidade de Coimbra, novamente ostentando a Serpe, suposto símbolo do Reino Suevo e o Leão dos Alanos. A dama coroada ao centro é Cinazunda, filha do rei Suevo Hermerico que terá casado em Coimbra com Ataces, rei dos Alanos.

A SERPE NA HERÁLDICA PORTUGUESA:

Acontece que a ligação Sueva ao dragão foi amplamente rebatida e desmistificada mais recentemente por historiadores e conhecedores de heráldica, como Alexandre Herculano no século XIX ou Oliveira Marques, no século XX, que ofereceram explicações mais plausíveis para a sua origem. A saber, o primeiro exemplar heráldico dentro da família real ostentando a Serpe em Portugal surgiu no século XIII pertencente ao Infante D.Fernando (1218-1246), Senhor da vila de Serpa (daí o nome), e filho mais novo do rei Afonso II. A partir daí só temos notícia desse animal no brasão de armas Português já na segunda metade do século XIV, no reinado de D.Fernando I (1367-1383), segundo as crónicas de Fernão Lopes, mas verdadeiramente apenas durante o reinado de D.João I (1385-1433), de quando temos hoje em dia iluminuras e documentos oficiais em que a Serpe aparece como símbolo da realeza ou encimando o brasão de armas do reino.

Os académicos dividem-se sobre as razões para o surgimento do animal na heráldica Lusa, alguns defendem que terá sido por influência inglesa através da Rainha Filipa de Lencastre, outros sugerem que será uma referência a São Jorge e à sua luta contra o mítico dragão, enquanto outros atribuem à história Bíblica de Moisés que transformou o seu cajado numa serpente.


Brasão do Infante D.Fernando, Senhor de Serpa (1218-1246). Filho do rei Afonso II, ostentava um dragão no seu timbre, o primeiro exemplar de tal animal na heráldica portuguesa.

DE PORTUGAL PARA O BRASIL:

A Serpe continuou como símbolo do reino de Portugal pelos séculos seguintes, surgindo no brasão real do século XVI no "Livro da Nobreza e Perfeiçam das Armas", escrito entre 1520 a 1541 e no livro do século XVII "Thesouro da Nobreza", escrito entre 1675 e 1682.

Com a partida da família real para o Brasil em 1807, muitos desses manuscritos foram igualmente transferidos para o Rio de Janeiro, onde em 1817 foi encomendado um ceptro para a cerimónia de aclamação de D.João VI como rei de Portugal, do Brasil e do Algarve, onde ostentava uma Serpe no topo. Com a independência Brasileira em 1822, e a ascensão de D.Pedro I como Imperador, o animal foi tomado como símbolo do novo país. Também com os Imperadores D.Pedro I e D.Pedro II se pode observar a Serpe encimando os seus ceptros.


Com a queda das monarquias brasileira em 1889 e portuguesa em 1910, a Serpe desapareceu completamente da heráldica dos dois países, apenas se encontrado em brasões de associações culturais e desportivas ou clubes de futebol. Quanto aos ceptros, fazem hoje parte das jóias da coroa imperial Brasileira no museu de Petrópolis, e da família real Portuguesa no Palácio da Ajuda, em Lisboa.


- Pedro Alves.


Ceptro do Imperador D.Pedro I, actualmente no Museu de Petrópolis.

Ceptro do Imperador D.Pedro II, também no Museu de Petrópolis.

Coroação de D.Pedro I em 1822, por Jean Baptiste Debret. A Serpe no ceptro imperial é sem dúvida influência do símbolo real Português, de quem D.Pedro fazia parte.

A Fala do Trono, pintura de Pedro Américo retrata o momento em que Dom Pedro II convoca a Assembleia e o Senado em 1872, portando a Coroa e o Ceptro.

Brasão de armas do Império do Brasil (Século XIX). Atente-se à Serpe no topo do ceptro do lado direito.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:



Livros digitalizados de Frei Bernardo de Brito, na Biblioteca Nacional de Portugal.


Monarchia Lusytana, por Frei Bernardo de Brito, facsimile de 1690, original na Biblioteca da Torre do Tombo em Lisboa.



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