Castelos alto-medievais em território português
- InfoBlog de JD
- 1 de jun. de 2019
- 15 min de leitura
Atualizado: 12 de out. de 2021
Um artigo original de 'Repensando a Idade Média':


Quando se imagina um castelo, tende-se a imaginar muros altíssimos e robustos, com pedras bem regulares (aparelho isódomo) e com argamassa, rodeados de torres e com uma torre de menagem. Contudo, na verdade os castelos nem sempre tiveram a complexidade e robustez observada em finais da Idade Média, que é o resultado de séculos de evolução da arte da arquitectura militar medieva. Ainda por cima, frequentemente este desenvolvimento apagou muitas das estruturas anteriores, pelo que se torna ainda mais difícil de imaginar esta evolução: por exemplo, o castelo de Guimarães actual não preserva vestígios nenhuns do século X. Mesmo assim, mesmo com todas as voragens do tempo, Portugal ainda tem alguns vestígios de castelos alto-medievais, melhor ou pior preservados. Sendo assim, e por ser uma área desconhecida do grande público, tentaremos abordar o surgimento e desenvolvimento castelológico durante a Alta Idade Média no actual território do Norte e Centro de Portugal, onde numa primeira parte falaremos dos castelos condais e roqueiros e numa segunda parte falaremos das motas e outras estruturas em madeira assim como das reformas proto-românicas de finais do século XI em castelos como Lanhoso ou Guimarães.

Embora tenha sempre havido fortificações e povoados fortificados desde épocas pré ou proto-históricas, só começou a haver processos de encastelamento na Europa Ocidental e mundo islâmico ao longo do século IX, por várias razões cujo grau de importância poderia variar de acordo com a região estudada: por exemplo, na Francia estão associados à defesa contra ataques costeiros de Viquingues e a uma certa debilitação da autoridade régia/imperial franca no actual território francês. O caso do actual território nortenho português, tal como o resto do espaço político ástur-leonês, é um pouco diferente, pois para além das necessidades defensivas contra os muçulmanos ou até viquingues (bastante mais prementes numa segunda fase, especialmente a partir da segunda metade do século X), poderá ter havido uma primeira construção de castelos pelas comunidades de fronteira do Norte e Centro do actual território às quais se sobrepôs o poder central ástur-leonês quando incorporou-as na sua esfera política sob Afonso III. Assim, façamos uma brevíssima abordagem a esta complexa questão de modo a compreendermos o porquê da edificação dos castelos alto-medievais condais.

Como é bem sabido, a partir do reinado de Afonso II (r. 791-842), mas sobretudo a partir do de Afonso III (r. 866-910), o reino asturiano começou a expandir-se para Sul em direcção à “terra de ninguém” entre as terras do rei asturiano e a autoridade emiral omíada, “povoando” as terras no sentido não propriamente de repovoamento como Alexandre Herculano ou Sánchez Albornoz defendiam, mas sim de as estruturar administrativa e militarmente dentro do reino asturiano. Depois de a fronteira (sempre entendida não como uma linha, mas sim como uma zona mal definida com comunidades de fronteira com lealdades dúbias) asturiana ter-se expandido até ao rio Minho em 854 por Afonso Betotes, em 868 o Porto seria presuriado por Vímara Peres, sucedendo-se Coimbra em 878 com Hermenegildo Guterres e Chaves em 882 (!) pela mão do conde Odoário. Por fim, também Viseu e Lamego foram conquistados durante o reinado de Afonso III. Ou seja, a zona de fronteira do reino das Astúrias foi avançando pela faixa atlântica em direcção ao vale do Mondego e, pelo interior, ao longo do vale do Douro, de uma maneira bem mais rápida neste sector do que na área leonesa, onde só na viragem do século o vale do Douro seria alcançado. A região de fronteira acabaria por fixar-se durante cerca de um século no vale do rio Côa, onde se situavam estrategicamente os castelos de Dona Flâmula doados ao mosteiro de Guimarães em 960, e ao longo da Serra da Estrela, antes de prosseguir pelo vale do rio Mondego. Indissociável destas conquistas, surgiu uma nova organização administrativa e eclesiástica do território, baseada em condados (nomeadamente os de Portucale e Coimbra, embora o Entre Douro e Mondego tivesse distritos militares fora da jurisdição destes dois no século X), “civitates” como centros administrativos e militares (raramente urbanos) e “territoria” (bispados).

É neste contexto de reformas profundas que aparecem as menções aos primeiros castelos. A primeira referência a um castelo no actual território português surge em 870, quando a “villa Negrelus” (São Miguel do Paraíso) foi mencionada como estando “subtus mons Caballus prope rivulum Have”, o que indica a subordinação militar a um castelo situado nesse monte Cavalo, de acordo com as fórmulas da documentação da época. 5 anos depois, em 875, surge pela primeira vez na documentação o Castelo de Gestaçô, localizado na actual Junção de Freguesias de Paços de Gaiolo e Penha Longa. Ambos estes castelos eram meros castelos roqueiros, cuja data e contexto de fundação são desconhecidos e altamente problemáticos. É bem possível que sejam efectivamente fortificações anteriores às presúrias de Vímara Peres, mas por outro lado nada nos garante que efectivamente assim o seja: podem ser uma consequência da reorganização do espaço imposta pelos novos condes, os quais toleravam estes refúgios das comunidades locais (se também não possuíam os seus castelos roqueiros, como no caso de Chamôa Rodrigues) e articulavam-nos numa rede defensora das populações, subordinando-as ao seu poder e aos castelos condais.

Estes últimos foram seguramente erigidos por parte dos poderes condais pouco depois das presúrias, tanto de modo a instalar defesas contra possíveis ataques muçulmanos como de exprimir física e simbolicamente o poder do rei ástur-leonês junto das populações recentemente absorvidas na monarquia cristã. Assim, estas defesas eram, em finais do século IX, acima de tudo símbolos do poder central ástur-leonês, delegado nas famílias condais que exerciam o poder sobre as gentes locais em nome do rei, o que se configura como o oposto do que se passava na Francia coeva, pelo menos nesta primeira fase.

Com isto dito, há uma problemática que temos de abordar: quais as diferenças técnicas entre um mero castelo roqueiro e um condal? Embora as fortificações alto-medievais sejam extremamente heterogéneas mesmo entre edificações condais, há uma distância enorme de qualidade e defensibilidade face a um castelo roqueiro. Este último era construído em pedra sem argamassa e mal aparelhada ou madeira de forma “ad hoc” no alto de um monte situado estrategicamente, em afloramentos rochosos incorporados na própria construção nos quais se faziam trabalhos de desaterro e às vezes de escavação de fossos. Tal estrutura era meramente um refúgio local das populações que o construíam, sendo tolerado pelos poderes condais e designado na documentação como “monte”, “castrum”, “alpe” ou até “penella”, como na doação acima referida de Flâmula Rodrigues em 960. Já um castelo condal tinha uma arquitectura bem mais elaborada, provavelmente em alguns casos com a traça de arquitectos conhecedores da arquitectura no al-Andalus, e seriam bem mais robustos do que os roqueiros, de forma geral, embora não tivessem uma aparelhagem (pseudo-)isódoma como as edificações da Baixa Idade Média. Contudo, mesmo estes podiam ser bastante heterogéneos na sua tipologia: englobavam meras torres como em Trancoso ou Cimo da Vila de Castanheira (Chaves), muralhas de “civitates” importantes como a do Porto (cuja “Muralha Romana” é designada como castelo na documentação medieval bem para além da Alta Idade Média) ou possivelmente a Cava de Viriato (Viseu) e recintos de muralhas mais próximos da nossa típica ideia de castelos, desafiando nesta época um pouco as estritas concepções da castelologia. E mesmo este último grupo pode ser heterogéneo, tanto na qualidade como na forma das edificações: compare-se a forma oval do Castro da Curalha (Chaves) com a quadrada da actual torre de menagem da Feira ou a irregular do castelo de Lanhoso.

A rede de castelos do actual território português continuaria a ser incrementada ao longo do século X, com a construção de novos castelos condais em vários locais como Lamego ou Viseu (antes de 906), que acelerariam a partir de meados do século.

Efectivamente, vemos uma espécie de segunda vaga de encastelamento nesta altura e ao longo do século XI, provavelmente provocada pelos ataques viquingues e normandos, por um lado, e por incursões muçulmanas por terra e mar, à qual se acresceriam conflitos internos entre os cristãos, quer nas lutas pelo trono leonês quer em conflitos entre os condes portucalenses e os infanções ou até entre estes últimos pela capacidade de exercer poderes públicos (especialmente a partir da viragem do milénio). Muitos castelos roqueiros podem ser datados deste período, assim como alguns condais como o de Guimarães (950-957; desta fase nada resta) ou possivelmente o da Feira (construído antes de 977), ao mesmo tempo que vários castros pré-romanos como a Citânia de Briteiros eram reocupados devido a este clima de insegurança. Com esta segunda vaga, o número de castelos só no Entre Douro-e-Minho subiu para cerca de 500 por volta do ano 1000. Eventualmente, todo este esforço construtivo, até por estar demasiado fragmentado e ser frequentemente rudimentar para além da fragilidade política do reino de Leão durante a viragem do milénio, não resistiria aos ataques de al-Mansur. Quatro campanhas militares decisivas entre 986 e 997, executadas frequentemente com a ajuda de notáveis cristãos como os filhos do último conde de Coimbra ou os senhores da guerra “moçárabes” que o terão acompanhado na sua campanha de 997, puxaram a fronteira para os vales dos rios Douro e Vouga e devastaram os territórios a Norte. Estes reveses, apesar de algumas conquistas como as de Montemor-o-Velho em 1017 pelo conde Mendo Luz e 1034 por Gonçalo Trastamires da Maia, só seriam ultrapassados nas famosas “Campanhas das Beiras” (1058-1064) de Fernando I de Leão (r. 1037-1065).

Mas aí impunham-se novas soluções militares para assegurar o controlo do território mais eficazes do que a rede alto-medieval, o que levaria à formação das terras e às construções proto-românicas, que estavam em desenvolvimento havia algumas décadas... mas esse é tema para outra publicação.
Em baixo, colocámos algumas imagens de alguns castelos alto-medievais com explicações da sua história e restos materiais deste período. Muitos destes, como os castelos de dona Chamôa ou Flâmula Rodrigues e a sua doação de 960 são extremamente interessantes, contudo abordá-los exige o seu espaço impossível de encaixar directamente aqui, pelo que passaram para as descrições das fotografias.

Também gostaria de chamar a atenção para a torre sineira da Igreja do Cimo da Vila de Castanheira (Chaves), um provável castelo alto-medieval associado ao conde Odoário semelhante ao de Trancoso e ao de Covarrubias (Espanha) praticamente ignorado pela historiografia actual e recentemente descoberta pelo meu colega Pedro Alves.

Como já dissemos anteriormente, e ao contrário do que possa parecer à primeira vista, pelo menos vários castelos alto-medievais foram construídos em madeira. Esta opção compreende-se se tivermos em conta a rapidez da construção e o preço mais em conta de usar madeira ao invés de pedra, especialmente numa época em que o seu corte e deposição em camadas ainda não tinham atingido a mestria e economicidade do período gótico (embora ainda relativamente cara). Mesmo os castelos e muralhas de povoados construídos em outros materiais como o granito, tão comum no Norte de Portugal, usavam-na para várias estruturas como os andares, os hurdícios, para estruturas de carácter habitacional ou até como paliçadas, e isto ao longo de toda a Idade Média. Infelizmente, a madeira não é o material mais facilmente preservável a longo prazo e é muito difícil de fazer investigação arqueológica (já de si relativamente rara comparada com outros países da Europa) com esse tipo de materiais, mas há pelo menos um caso identificado: o Castelo de Matos ou de Baião. Antes do castelo românico em pedra de finais do século XI ou inícios do XII existiu outro em madeira datados de meados do século XI e destruído num incêndio, talvez para se construir a nova fortificação ou mais provavelmente como resultado de um ataque inimigo muçulmano ou de rivais nobiliárquicos portucalenses, o que é sugerido pela espora e pontas de seta encontradas no local. Também há alguns povoados alto-medievais com paliçadas de madeira identificadas graças à sua carbonização, nomeadamente em S. Gens e na Soida (ambas em Celorico da Beira). Mas, para além disso, temos também vestígios de outras estruturas em madeira: as motas.

Em castelologia, uma mota é um castelo formado em cima de um monte artificial, com um fosso e paliçada na periferia e uma torre em cima, onde se acedia frequentemente por uma escadaria. Tal tipo de construção apareceu na segunda metade do século X na região entre o Reno e o Loire (talvez na Normandia), possivelmente inspirada nos acampamentos “viquingues”, e está conotada quer com a expansão normanda (especialmente no caso inglês) quer com os processos de senhorialização em boa parte da Europa, por onde se foi difundindo ao longo dos séculos XI-XII, tendo sido o seu uso continuado pelo menos até aos séculos XIII-XIV. Foi celebrizada na célebre Tapeçaria de Bayeux e vários exemplos interessantes estão mais ou menos estudados em França e Inglaterra, como Doué-la-Fontaine em França, o castelo de York em Inglaterra ou Hen Domen em Gales. Para além de ser muito barata e de se construir em poucas semanas com um número limitado de homens, o monte artificial e a torre permitiam uma observação do inimigo, a guarda de gado e ainda atirar dardos e flechas sobre o inimigo de uma forma bastante custo-efectiva, apesar de a madeira ser perecível.

Em Portugal, este sentido de “mota” acabou por generalizar-se a todos os montes artificiais (tornando-se frequentemente sinónimo de mamoa) a partir deste sentido limitado e até formar um apelido relativamente comum. Contudo, por várias razões, como a falta de investigação histórico-arqueológica e certos preconceitos entre os estudiosos do assunto, durante muito tempo pensou-se que tal estrutura não existisse entre nós. Felizmente, Mário Barroca quebrou esse mito ao postular a sua existência com base na documentação alto-medieval, num artigo seu de 1990-1991.

Efectivamente, um documento de 1038 situa Perafita (no concelho de Matosinhos) como estando “subtus mamoa de Adaulfi” e outro de 1047 “sub mamoa de lumbello […] subtus castrus guifonis”, i.e., na dependência militar de uma mota construída por um nobre chamado Adaúlfo, com propriedades documentadas na zona desde 1021, subordinada ao castelo localizado provavelmente na acrópole do castro de Guifões, onde hoje se ergue o campo de tiro. O Professor mencionado ainda conseguiu encontrar mais vestígios documentais de possíveis motas para a zona de Vila Verde e de Caíde de Rei (Lousada). Estas suspeitas seriam confirmadas mais tarde, com a descoberta da mota de Eiró (Cabeceiras de Basto) em 1998 por Luís Fontes, com ocupação provável entre finais do século XII e inícios do XIV. Ainda uns anos mais tarde, nas traseiras da Escola Secundária de Perafita, os arqueólogos Conceição Pires e Manuel Varela, do Gabinete de Arqueologia de Matosinhos, localizaram a mota de Adaúlfo num terreno que felizmente ainda não tinha sido urbanizado e fizeram o seu estudo preliminar. Agora, espera-se a escavação arqueológica da estrutura… Também foi identificada a mamoa em Caíde de Rei, mas esta é um monte granítico e não está escavada, e também Penedo dos Mouros poderá ter albergado uma mota, mas esta opinião é tudo menos unânime. Portanto, embora relativamente raras comparadas com as além-Pirenéus, estas existiram também no actual território português.

As motas não foram a única mudança na viragem do milénio na Península. Sem querer entrar muito em detalhes sobre a situação política do reino ástur-leonês em finais da Alta Idade Média ou a transição para o senhorialismo e feudalismo no Ocidente Peninsular, efectivamente, esta foi uma época conturbada: às guerras civis constantes que perturbaram o reino de Leão após a morte de Ramiro II, juntaram-se as expedições escandinavas ou normandas e as de al-Mansur nas décadas finais do milénio, assim como o recuo da linha fronteiriça no Noroeste Peninsular para os vales do Douro e Vouga, o que agravou ainda mais a crise ao obrigar a nobreza condal com propriedades a sul do Douro a terem de optar entre perder as terras e os seus rendimentos (importante dado o padrão disperso das suas propriedades) ou colaborar com os poderes islâmicos, tal como alguns senhores moçárabes a norte de Coimbra ou os filhos do último conde conimbricense fizeram. Neste contexto, as instituições eclesiásticas e os infanções (até aí dependentes da nobreza condal) começaram na segunda metade do século X, como delegados do poder condal (por sua vez delegado do rei), lentamente a ganhar de várias formas, por doação régia ou usurpação, poderes públicos assim como o direito de os exercer em nome próprio. Assim, a partir deste ponto de viragem próximo do fim do milénio, pulverizaram-se num processo prolongado, pelo menos até ao século XII, as concepções de “público” e, temporariamente, de “res publica” herdadas da Roma Antiga a favor da concepção senhorial dos poderes régio e nobiliárquicos, em que os poderes públicos de cobrar impostos, exercer justiça ou criar exércitos, por exemplo, eram vistos como propriedade privada, tanto por parte dos reis como da nobreza. Como resultado destas transformações, geraram-se conflitos entre o poder condal e os infanções, assim como entre estes entre si ou com as comunidades de homens livres que tentavam dominar pelos mais variados expedientes, incluindo a força. Entretanto, em 1037 Fernando, o Magno subiu ao trono de Castela após matar Vermudo III na Batalha de Tamarón e a dinastia navarra dos Jímenez subiu ao trono. O novo rei, em resultado da inimizade ou da falta de apoio da nobreza condal ligada à anterior dinastia das Astúrias, promoveu os infanções no território portucalense à custa dos condes locais, não só como seus maiorinos no território do Primeiro Condado Portucalense, mas também como tenentes (rapidamente tornados hereditários a norte do Douro, na prática ) das “terras” ou "territórios", que eram unidades administrativas formadas a partir da fragmentação do território das “civitates” condais analisadas na primeira parte deste texto (embora as primeiras terras ainda surgissem na década de 1020, Fernando I ampliou o sistema, que se foi implantando ao longo do século XI e inícios do XII de forma gradual). Com isso, acelerou os processos de transformação em direcção ao senhorialismo e feudalismo, ao tornar os infanções em seus delegados, de forma benéfica para ambos os lados a curto prazo e altamente prejudicial para a nobreza condal. De resto, esta seria praticamente eliminada do território portucalense com a morte do conde Nuno Mendes na batalha de Pedroso, em 1071: mesmo os senhores de Marnel e de Grijó, que descendiam directamente de um ramo menos afortunado da nobreza condal, provam a regra, pois passaram por um deserto político na segunda metade do século XI e só voltaram a desfrutar protagonismo ao juntarem-se aos cavaleiros-vilãos de Coimbra e ganharem o favor da corte condal e mais tarde régia portuguesa. Entretanto, de forma concomitante, Fernando I de Leão reconquistou o espaço perdido em finais do século X entre 1055 e 1064 e nomeou o alvazil moçárabe Sesnando como conde de Coimbra, i.e., na prática como uma espécie de “vice-rei” neste espaço de fronteira entre o Douro e o Mondego.
Tudo isto levaria necessariamente a uma reorganização das redes de sistemas defensivos, tanto por necessidade de defender a fronteira Sul do território de ataques muçulmanos como de afirmação dos poderes senhoriais. Assim, ao longo dos séculos XI e XII, os castelos roqueiros alto-medievais foram sendo lentamente desmantelados por acção dos tenentes de terra e o esforço defensivo das regiões controladas por eles centralizado no castelo cabeça de terra, passando assim das 500 estruturas no Entre Douro-e-Minho por volta do ano 1000 para menos de 50 na mesma zona em meados do século XII. Apesar de os castelos proto-românicos e mais tarde românicos ainda serem relativamente modestos, o seu melhor aparelho e cuidado defensivo permitia aguentar muito melhor ataques inimigos e responder aos desenvolvimentos na guerra de cerco verificados durante o século XI nos reinos cristãos do Norte Peninsular. Dois exemplos destes novos castelos proto-românicos em desenvolvimento a Norte do Douro, apesar de terem sido construídos respectivamente por D. Pedro de Braga e pelos condes D. Henrique e D. Teresa, são os de Lanhoso e Guimarães na sua fase pré-românica. Neste último, destaco para o leitor a sapata em frente da Porta da Traição, ainda hoje claramente visível ao visitante.

Igualmente, a sul do Douro novos castelos mais ou menos contemporâneos dos mencionados acima ou ligeiramente anteriores foram erguidos ou reconstruídos de modo a criar uma nova rede defensiva para a região: o alvazil Sesnando restaurou ou construiu os castelos de Montemor-o-Velho, Soure, Penela e Arouce, para além de ter intervindo provavelmente em Coimbra, Lamego e S. Martinho de Mouros. Estes castelos merecem toda a atenção devido às suas inovações e sofisticação, bem maiores do que na esmagadora maioria dos castelos a Norte do Douro. Embora boa parte dos castelos ainda seja irregular como o de Penela (a actual torre de menagem), outros como de o Soure já apresentam traçado geométrico. Em alguns destes castelos são observáveis outrossim torreões semicirculares adoptados das muralhas muçulmanas, como em Arouce ou Penela, os taludes com flanqueamento reentrante como os de S. Martinho de Mouros ou alterações no aparelho da pedra, como a pseudo-isodomia (altura regular de cada camada de pedra), o aparelho em espinha de peixe experimentado em Arouce ou a alternância entre grandes pedras e camadas de pedras miúdas, em Montemor-o-Velho. Com estes castelos, uma nova era na História da guerra de cerco e das fortificações começava…

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