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O PASSADO À LUZ DO DIA, A ESPADA DE D. DINIS

Atualizado: 9 de nov. de 2022


Fotografia do jornal "Público" da autoria do jornalista/fotógrafo Rui Gaudêncio.

Um artigo original de 'Repensando a Idade Média', do dia 25/10/2022


Aconselhamos todos os nossos leitores a adquirirem uma cópia do jornal Público do dia 25 de Outubro de 2022. Isto porque ao fazê-lo podem apanhar um vislumbre de um dos maiores achados dos últimos anos da arqueologia portuguesa: a espada funerária de D. Dinis.


Para quem não quiser investir numa cópia, eis o fundamental. A espada foi (re) descoberta em 2020, na sequência dos trabalhos que têm vindo a ser feitos no túmulo, mas apenas agora foi retirada para conservação, com as maiores cautelas.


Segundo informações prestadas por Maria Antónia Amaral, co-directora do projecto, trata-se de uma espada de ferro com uma guarnição (guardas, punho e pomo) em prata, com aplicações esmaltadas de várias cores. Conserva-se a bainha, de madeira e potencialmente ainda revestida por couro, bem como o cinto com que se cingiria à cintura, aparentemente tecido (talvez em seda, como habitual noutros cintos similares da época) com aplicações metálicas decorativas (também elas aparentemente feitas em prata).


Esta é a primeira espada régia que podemos atribuir de forma inegável a um monarca português. Junta-se à espada de D. João I, conservada no Museu Militar de Lisboa, cuja atribuição é apesar de tudo menos segura do que esta. Em termos comparativos, e apesar da presente e compreensível escassez de imagens, é possível traçar algumas comparações grosseiras com a espada cerimonial do rei Sancho IV de Castela, “O Bravo”, datada de 1284 e que hoje se conserva no Museu de Tapices y Texteis da Catedral de Toledo. Observe-se por exemplo a empunhadura de perfil anguloso de ambos os espécimes, impróprias a armas de combate (por pouco ergonómicas), e a sua decoração. É no entanto necessário um estudo muito mais aturado da peça para que possamos saber mais detalhes e aprender mais sobre o que esta espada nos poderá dizer sobre um si mesma e sobre um dos mais emblemáticos monarcas da Idade Média portuguesa.


Esta descoberta prova também que os túmulos régios podem ser um manancial de tesouros por descobrir - artefactos militares, vestes, adereços, coroas ou armaduras –, e urge que os restantes túmulos sejam devidamente estudados e inventariados. É nossa esperança que o sucesso deste estudo do túmulo de D. Dinis possa catapultar outras campanhas nas dezenas de outros túmulos (régios e de nobreza) que existem em Portugal.


De resto, apelamos a que a espada, conservada e estudada, venha em breve a ser exposta ao público como tesouro que é, em conjunto com as demais relíquias medievais que o túmulo de Odivelas tão bem preservou.


- A Administração da 'Repensando a Idade Média'













Fotografias do jornal "Público" da autoria do jornalista/fotógrafo Rui Gaudêncio.


 

A ESPADA DE D. DINIS: NOVOS DADOS, FOTOGRAFIAS E INQUIETAÇÕES

Um artigo original de 'Repensando a Idade Média', do dia 08/11/2022

Depois de termos publicado a nossa nota relativa à notícia do “Público” sobre a espada de D. Dinis, chegou-nos uma reportagem da RTP com algumas imagens de altíssima qualidade e o esclarecimento a uma questão colocada por muitos leitores: como não se descobriu a arma aquando da abertura do túmulo em 1938? Uma questão certamente pertinente, mas como esclareceu Maria Antónia Amaral, a directora do Castelo de São Jorge e coordenadora do projecto na sua componente arqueológica: a espada pura e simplesmente não foi vista na época do Estado Novo porque estava “localizada à direita do rei, escondida pelos panejamentos”, que não chegaram a ser retirados do local da sua totalidade.

Fonte: DGPC

Com base nas novas imagens provenientes tanto da RTP como da Câmara Municipal de Odivelas, há algumas observações que podem ser feitas para além da semelhança com a espada de Sancho IV e a sua função provavelmente cerimonial. Em primeiro lugar, anote-se alguma ligeira semelhança volumétrica da guarda da espada com a espada de sagração dos reis franceses – a “Joyeuse”, atribuída miticamente a Carlos Magno apesar de só aparecer documentada em 1270. Para além disso, ficou ainda mais evidente a riqueza dos esmaltes – cujos motivos iconográficos e policromia aguardam conclusões mais pacientes a seguir ao restauro. Mas uma coisa é certa: a iconografia animal, com leões na guarda – símbolo régio e cristológico ao mesmo tempo – assim como um cão e um coelho no pomo, num discurso artístico com uma potencial articulação entre a percepção de domínio humano da Natureza, os valores da “sociedade senhorial” e mensagens de cariz cristão, de modo similar ao que ocorre na arte tumular e que merece uma apurada investigação por historiadores de arte. Isto reforça uma ideia um bocado ignorada por estes dias quando se fala no objecto: uma espada não era meramente um objecto usado para o combate no campo de batalha. Pela sua condição de arma valiosa, acabava por transformar-se num emblema da cavalaria e mesmo sinal de nobreza, o que também lhe ajudava a conferir o estatuto de símbolo de paz e justiça – precisamente os dois valores fundamentais na ideologia régia usados para legitimar a centralização da monarquia a partir de meados do século XIII.

Espada de Sancho IV. Fonte: Pinterest.

A famosa "Joyeuse", a espada de sagração dos reis de França, exposta no Musée du Louvre. Note-se as semelhanças com a espada dionisina, sobretudo a nível da guarda. Fonte: Wikimedia Commons.

Fonte: Câmara Municipal de Odivelas.






No mesmo jornal que lançou em primeiro lugar a notícia da espada, saiu no dia 5 deste mês uma nova reportagem sobre a peça onde, para além de uma breve entrevista com João Gouveia Monteiro com um muito breve apanhado do que se sabe sobre o objecto, se resume toda a “política” nos bastidores da Direção-Geral do Património Cultural, com todas as inquietações que nos causa. Enquanto o objecto se encontra em restauro no prestigiado Laboratório José de Figueiredo, tem havido uma discussão ao estilo de Ceuta: manter ou largar? Alguns querem musealizar, enquanto outros como o director do Museu do Tesouro Real (MTR) – José Alberto Ribeiro – sentem-se incomodados com o precedente aberto com a abertura de túmulos e, sem nunca justificarem a sua posição com bases científicas, alguns pretendem devolver tudo ao sarcófago do monarca, mostrando-se até reticentes perante os estudos científicos e a reconstituição do rosto de D. Dinis.

Estes pruridos de respeito pelos mortos não são, a nosso ver, nem justificáveis nem coerentes com o tratamento dado a necrópoles de gente pobre escavacadas pelo sector da construção civil. De resto, quão respeitoso será deixar uma espada – com os riscos derivados da sua oxidação - e outros materiais biológicos como o caixão ou os têxteis em degradação dentro do túmulo? Não será contraproducente restaurar a espada – até por motivos de preservação dos outros vestígios arqueológicos a longo prazo – para a voltar a colocar no mesmo sítio, onde se irá degradar outra vez? Cremos que honraria muito mais a D. Dinis, como o sagaz político reconstituído por José Augusto de Sottomayor Pizarro na sua modelar biografia da personagem, que se projectasse a sombra do seu poder e legado aos visitantes de um museu. Para o povo português, será a recuperação de um riquíssimo legado da cultura material, raro em toda a Europa e ainda mais em Portugal, pelo que criminoso seria que não se musealizasse a espada. Mesmo Espanha, país monárquico, expõe todo o espólio de vários dos seus túmulos reais – incluindo a espada de Sancho IV de Castela (r. 1284-1295) e a pertencente ao Infante Fernando de la Cerda (m. 1275).

Fonte: Câmara Municipal de Odivelas.

Fonte: Câmara Municipal de Odivelas.

Precisamente a propósito do espólio funerário, outra preocupação prende-se com o destino dos têxteis no túmulo dionisino. Estes não eram de todo desconhecidos, pois tinham sido observados em parte em 1938 e foram mencionados em 1942 por José Crespo. Era já sabida a sua riqueza iconográfica, e seria lamentável – num país onde o vestuário medieval está tão mal estudado e temos tão poucos exemplares – devolvê-los ao túmulo para continuarem o seu processo de decomposição como materiais biológicos, quando deveriam ser preservados para estudos que as futuras gerações queiram fazer. É aliás, o que se faz pela Europa toda quando se recuperam achados similares: acabam expostos em museus como o dos Finos Têxteis de Burgos, onde se exibem os vestidos dos membros da família real castelhana enterrados no mosteiro das Huelgas dessa cidade. Até agora, a única pessoa que se manifestou a este respeito – e de forma louvável – foi Maria Antónia Amaral, que expressou o desejo de musealizar tudo em conjunto. Não podemos concordar mais, e esperemos que a directora do Castelo de Lisboa consiga levar a sua ideia avante, para o qual somos encorajados a ficar crentes pelo menos no relativo à espada pelo facto de se ter aberto o processo de classificação como Tesouro Nacional. Por fim, gostaríamos de terminar com algumas ideias sobre o seu eventual destino se o bom senso prevalecer. Parece existir uma “corrida” ao prémio entre a Câmara Municipal de Odivelas e os directores do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) e do Museu Nacional de Arqueologia (MNA), com declarações de interesse por todas estas entidades. Sem nos querermos meter em políticas de gabinete aos quais somos alheios nem temos qualquer interesse pessoal , convém tecer algumas considerações de interesse público. Todos os pretendentes, ao que poderíamos acrescentar o Museu Militar de Lisboa (MML) e o MTR (cujo director parece ser o menos interessado na questão), têm certamente boas razões para manter o objecto nas suas colecções.

Se o Museu Militar seria a nossa primeira aposta para a espada, o seu subfinanciamento e necessidade de renovação urgente, com espaços apertados e vitrines antigas, parece invalidar a opção. A exposição do espólio funerária faria sentido natural na Ajuda, onde poderia ser integrado com a ourivesaria tardo-medieval da colecção de D. Luís numa única sala dedicada aos tesouros cortesãos na Idade Média portuguesa; mas a sua fraca iluminação e má museografia arruinariam a dignidade que se pretende de tal exibição. O MNAA seria ainda outra escolha natural, mas não faz sentido enviar mais objectos para colecções frequentemente fechadas ao público por falta de vigilantes.

A nosso ver, há duas hipóteses que se nos afiguram mais viáveis. Uma é colocá-la no MNA. Embora dificilmente pensemos nele como instituição com colecções medievais, porque a anterior exposição permanente mantinha tudo nas reservas, o museu encontra-se actualmente em renovação e uma das alterações será uma sala dedicada à Idade Média, mais especificamente ao espinhoso tópico da formação de Portugal. Existe alguma chave de ouro melhor do que a expressão material do rei em cujo reinado Portugal atingiu mais ou menos a sua configuração territorial continental? Ainda outra hipótese é a de se integrar tudo em Odivelas. Apesar dos riscos de longo prazo de manutenção de um museu autárquico, há um bom argumento a ser feito para a contextualização dos objectos “in situ” e não em grandes museus nacionais. Uma tal exposição pudesse talvez vir mesmo ser um embrião para uma espécie de Huelgas de Burgos à portuguesa, se também se lhe juntássemos os possíveis têxteis do túmulo do Infante no mesmo Mosteiro, com a possibilidade adicional de se enviarem para lá mais vestes como as da Infanta desconhecida da Sé de Lisboa (século XIV), agora depositadas em São Vicente de Fora numa reserva do Patriarcado de Lisboa, longe dos olhares do público. Mais do que o sítio, interessa o acesso do povo português ao seu património e quebrar-se pro-activamente com o padrão habitual de incúrias seguidas de perdas irreparáveis, com choros lamentacionais durante séculos a seguir e atribuição a toda a horas de culpas em cima de factores fora do nosso controlo, como o terramoto de 1755 ou as Invasões Francesas.

Apesar de não ter sido muito notado na imprensa, queremos deixar nota de que o túmulo do Infante João (?) - filho legítimo de Afonso IV, enterrado em Odivelas em 1326 - também foi aberto. Esperemos pelos resultados para termos mais dados sobre a identidade da personagem no seu interior: o Infante João ou a bastarda régia Maria Afonso? Fonte: Câmara Municipal de Odivelas.

Ligações:

- A Administração da 'Repensando a Idade Média'


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