A Casa-Torre, residência e símbolo de poder da Nobreza medieval em Portugal e restante Europa
- InfoBlog de JD
- 10 de jun. de 2019
- 5 min de leitura
Atualizado: 12 de out. de 2021
Um artigo original de 'Repensando a Idade Média':
A Casa-Torre, residência e símbolo de poder da Nobreza medieval em Portugal e restante Europa. A casa-torre derivou da torre de menagem, mas são duas coisas diferentes, embora as torres de menagem também fossem habitadas, pelo menos em Portugal eram. O chefe da guarnição da fortaleza e a sua família tinham aposentos no último andar da torre de menagem.





Poucas imagens estão tão enraizadas no subconsciente colectivo como a da torre de menagem ou a casa-torre medieval. Permanece ainda hoje como um símbolo de poder e de centralidade no imaginário sobre o medievo. A casa-torre, ou "domus-fortis", disseminou-se pelo território de Portugal e de toda a Europa sobretudo nos séculos XII, XIII e XIV. Nessa época, houve uma intensa actividade construtiva de carácter defensivo, maturando na robusta torre de menagem dos castelos. Durante esse processo e o de Reconquista Ibérica, a presença da torre tornou-se num marco fundamental na paisagem.


As casas-torre portuguesas inspiram-se ou copiam a torre de menagem, conjugando as preocupações de segurança e as necessidades essenciais do habitar, ela reflecte também as aspirações de “linhagens de segundo plano” da fidalguia nacional, que tinham na terra-tenência o seu principal veículo de afirmação social. A casa-torre é assim o símbolo da apropriação de um determinado território, dominando-o e observando-o, expressando a vontade de progressão social e auto-suficiência do seu promotor, retórica que culmina nas ameias a coroar a edificação.

SURGIMENTO DAS CASAS FORTIFICADAS:
As primeiras construções residenciais da nobreza foram efectivamente os castelos, dado que os nobres a quem o monarca confiava a tenência (gestão) de um território, ocupavam o castelo da sua comarca para fins de habitação. No entanto, o facto de as torres de menagem poderem ser usadas como residência senhorial, não obsta a que essas mesmas famílias detivessem uma habitação própria onde se podiam instalar depois do término das suas funções como alcaide de uma fortaleza. Estas habitações, fortificadas ou não, podiam ocupar um lugar senão mais secundário pelo menos mais privado.

Durante a 2ª metade do século XII, e sobretudo na transição para a centúria seguinte, um novo fenómeno vai percorrer as paisagens rurais da Europa: o advento da casa-torre.

A proliferação destas novas construções vai-se espalhar um pouco por toda a Europa com cronologias muito semelhantes e abrangendo áreas tão díspares quanto Portugal e a Polónia, a Itália e a Flandres, Castela, Inglaterra, França e Alemanha. Este processo tem sido associado com a ascensão social de famílias de pequena nobreza ou a linhagens secundárias em plena afirmação. O historiador Francês Gérard Louis estima que na zona da Normandia, cerca de 51% dessas estruturas foram edificadas por membros da pequena nobreza rural.

Também em Portugal parte significativa das residências senhoriais fortificadas se podem associar a linhagens secundárias em plena fase de crescimento e afirmação na sociedade medieval portuguesa. Estes nobres teriam visto nessas novas estruturas uma forma não só de se afirmarem perante as populações rurais, mas sobretudo perante as antigas linhagens, detentoras de castelos e cientes de seus poderes. "A semelhança das novas torres senhoriais com as torres de menagem dos castelos é bem sintomática dessa busca de poder e autoridade" (José Mattoso).

A CASA-TORRE COMO NÚCLEO DAS HONRAS (TERRAS SENHORIAIS):
Com a progressiva sedentarização da sociedade ibérica, à medida que a Reconquista se consolidava e avançava para Sul, levou a que as famílias nobres sigam uma tendência para se fixarem junto dos seus domínios, zelando pelos seus bens de fortuna e ao mesmo tempo, sublinhavam o seu carácter nobilitado, já que possuir uma torre de pedra era sempre prestigiante.
Na região de Entre-Douro-e-Minho o estudo das residências senhoriais não pode ser isolado das suas respectivas "Honras", terras imunes mantidas sob alçada dos nobres. Estas, cada vez mais prezadas e cobiçadas, tornavam-se também cada vez mais restritas dado que os reis da centúria de 1200 tomaram medidas no sentido de impedir a criação de novas "Honras" ou de alargar as já existentes. À pequena nobreza poucas hipóteses se podiam oferecer: servir o monarca e conquistar-lhe os seus favores, definir uma cuidadosa estratégia matrimonial para os seus descendentes ou alargar os seus domínios por abuso ou pelo amádigo (favor concedido a quem cuidava dos filhos da realeza).
Por isso, como sublinhou José Mattoso, ao contrário das linhagens antigas que iam buscar o seu nome a territórios mais ou menos vastos: como as famílias Baião, Maia, Sousa, Bragança, Riba-Douro, Riba-Vizela, Marnel, Lanhoso, etc, se contrapõem os novos nobres que vão buscar o nome da família ao topónimo das suas "Honras" onde se encontravam as suas casas-torre: como os Vasconcelos, os Dornelas, os Cunha, os Silva, os Pereira, etc. Este facto mostrava como a geografia das propriedades desses novos senhores era muito mais coesa e concentrada do que os vastos e desarticulados domínios das velhas linhagens. À nova nobreza torna-se possível uma identificação com uma localidade, uma vila ou uma terra, por exemplo: para a família Vasconcelos, o lugar onde se situava a sua casa fortificada, a sua casa-mãe era um local estimado e por certo muito especial.




CONSTRUIR CASAS-TORRE? SÓ COM AUTORIZAÇÃO RÉGIA:
Já vimos como a escolha da Torre como elemento principal de residência, para além de obedecer a preocupações de segurança, era uma forma de afirmar o prestígio e o poder dos seus residentes. Isso levou a que a sua proliferação fosse vista, por parte dos monarcas, como uma ameaça séria e efectiva à consolidação do poder régio. Disso sentiu na pele Lourenço Fernandes da Cunha, que viu a sua casa-torre ser demolida por ordem do rei Sancho I em 1210. Detentor de uma considerável fortuna, Lourenço da Cunha adquiriu em Junho de 1171, a sua irmã Maria Rendufe, uma quinta na freguesia de São Miguel, perto de Braga, pelo preço de 40 morabitinos. Lá estaria a construir uma quinta com uma torre. Décadas mais tarde, já no reinado de Sancho I, o monarca apercebeu-se através de Inquirições, que essas terras haviam pertencido à Coroa, pelo que exigiu o retorno da sua posse ao dito Lourenço Fernandes da Cunha. Como ele não respondeu de maneira satisfatória o rei mandou, por intermédio do seu representante na região, Vasco Mendes, incendiar a quinta e demolir a Torre que aí se erguia. A destruição foi de tal forma que Lourenço da Cunha reconhecia que lhe seria impossível reconstruir a quinta, cujos estragos foram então estimados em 1500 morabitinos de ouro!
De entre os bens destruídos contou-se inúmero armamento: "40 escudos, 25 massas de armas, mais de 50 cotas de malha, um número não especificado de elmos e capacetes de ferro e "muita alia arma" (Mentio de Malefactoria). A Torre da Cunha parecia armazenar armamento suficiente para equipar mais de 40 homens, o suficiente para colocar em risco a paz da região. Não admira que o rei Sancho I tivesse mandado investir contra os domínios do citado nobre, esta era não só o símbolo do poder senhorial de Lourenço Fernandes da Cunha, mas também uma ameaça efectiva ao poder do monarca e dos senhores detentores das tenências reais.
Os mesmos motivos levariam, quase 100 anos depois, o rei D.Dinis a ordenar a demolição de uma torre, em 1301, pertencente a Gonçalo Cabelos. Esta foi uma das cláusulas impostas pelo monarca aquando da concordata que pacificou facções de nobres em litígio. Haveria também de proibir em 1314, sob pena de morte, a construção de novas torres fortificadas. A partir de então, todo o nobre que pretendesse erguer uma casa-torre no seio das suas propriedades teria que pedir autorização prévia ao monarca.
Artigo de Pedro Alves.






Fontes Bilbiográficas:
- "Em torno da residência senhorial fortificada" (Mário Barroca).
- "Nobreza senhorial de Entre-Douro-e-Minho dos séculos IX a XII" (José Mattoso).
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