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A actividade da pesca na Europa medieval

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    InfoBlog de JD
  • 25 de jun. de 2019
  • 13 min de leitura

Atualizado: 12 de out. de 2021

Um artigo original de 'Repensando a Idade Média':


A actividade da pesca na Europa medieval: técnicas de captura, tipos de navios e comércio piscícola.



A pesca é, desde a aurora da Humanidade e a par da caça, uma das actividades mais antigas e mais importantes para a auto-suficiência humana. O seu crescimento e desenvolvimento, tanto dos instrumentos, das técnicas e dos navios para a sua actividade acompanhou o desenrolar dos tempos desde a Pré-História.

No período medieval a actividade piscatória atingiu pela primeira vez níveis tão elevados que pressionaram a própria sustentabilidade das espécies de peixes e dos habitats onde estes viviam, como veremos adiante, situação a que não foi alheia o crescimento exponencial da população europeia depois do século XI.


SUSTENTABILIDADE DA PESCA NOS RIOS E NO MAR:


Durante o período Romano a zona costeira do Oceano Atlântico era visivelmente farta em peixes de toda espécie, no entanto toda essa fartura estava já condenada pela pesca comercial, cuja origem não é de agora, mas sim nascida e desenvolvida rapidamente em poucas décadas na virada do primeiro para o segundo milénio, entre os séculos X e XI. Até então, a sociedade medieval consumia principalmente peixes de água doce como esturjão, trutas, salmões e enguias que migravam ao longo dos rios, seguindo os seus instintos reprodutivos. Com o aumento populacional e a expansão das cidades medievais, quase sempre localizadas às margens de rios com conexão com o mar (Londres/Tamisa, Paris/Sena, Lisboa/Tejo), a demanda por alimentos cresceu. Com isso foi preciso muito mais água doce para irrigação e para manter a girar as rodas d’água dos moinhos de milho que se multiplicavam no continente europeu. Milhares de pequenas barragens foram construídas ao longo das bacias hidrográficas da Europa pelos próprios agricultores e proprietários das terras. A erosão das matas ciliares e a diminuição do fluxo de água provocou o acumulo gradativo de sedimentos nos leitos dos rios. Houve assoreamento de locais de desova, perda de habitats naturais de alimentação e refúgio, além da dificuldade para migrar, uma etapa fundamental do ciclo de vida dos peixes.


Para piorar as coisas, redes de pesca eram fixadas perpendicularmente ao curso dos rios capturando os peixes migratórios em pleno período de reprodução. Sem políticas públicas para protecção dos estoques, sem manejo e regulamentação por defesos temporários ou criação de reservas de pesca, os estoques declinaram rapidamente e irreversivelmente a partir do século XI, o que levou à procura de fontes alternativas. E a única alternativa estava evidentemente... no mar.

Os primeiros registos arqueológicos de espinhas de bacalhau encontradas em poços medievais datam da Inglaterra no início do século XI. Foi mais ou menos entre 1050 e 1100 que os peixes marinhos substituíram de vez os peixes de água doce, tornando-se cada vez mais frequentes na dieta da sociedade medieval. Os povos escandinavos (Vikings) eram excelentes pescadores e no início passaram a fornecer peixes de alto mar para a dieta europeia a preços bem baratos quando a pesca de água doce entrou em declínio. Cargas de bacalhau, halibuts, linguados de alto mar eram defumadas, secas e salgadas, e transportadas para atender os mercados da costa europeia.


Mesmo a aquicultura continental iniciada em França no fim do primeiro milénio para equilibrar a escassez dos estoques naturais acabou em abandono dos tanques de cultivo por conta da fartura e baixos preços dos peixes marinhos oriundos do Mar do Norte.



O PEIXE NA ALIMENTAÇÃO MEDIEVAL:


O alimento extraído do mar provinha essencialmente da pesca costeira, e se antes do século XII numa conjuntura demográfica já pressionante, a captura se baseava mais na pesca em rios, lagoas e estuários, o aumento do consumo a partir desse século estimulou rapidamente a exploração piscícola no litoral mediterrânico, muito ricos em pescado como a sardinha ou o atum, seguindo a rota de onde estes peixes desovavam. Mais tarde, a demanda por mais peixe estimulou também a pesca oceânica, e, a partir do século XIII, a comercialização por toda a Europa do arenque do Mar do Norte, da pescada, do espadarte, do linguado e do bacalhau, quer fresco, quer seco (no caso português).

Embora a pesca se praticasse quer em rios quer na costa marítima por toda a Europa medieval, as espécies de peixe capturadas, a intensidade e a importância económica desta actividade era muito variada. Ao mesmo tempo a aquacultura se desenvolvia em resposta a essas mudanças económicas, também a escala das técnicas de captura e preservação do pescado.

Tabus religiosos e o prestígio derivados da alimentação cara só acessível às classes sociais mais elevadas moldaram a procura de peixe pelo homem medieval, os preceitos Cristãos permitiam peixe num dia em cada três quando a carne era proibida. Para as elites medievais, nobres ou clérigos, peixe na mesa era um sinal de abundância e estatuto.

Igualmente, parece ter sido menos consumido do que a carne na época medieval, pelo menos se considerarmos especificamente as classes mais abastadas, em que o consumo destes alimentos se revela mais significativo. A maioria dos livro de cozinha europeus do medievo são uma boa referência para efeitos de caracterização da alimentação praticada pelas classes abastadas. Assim, a título de exemplo, refira-se que nessas obras 66% das receitas eram de carne, enquanto pouco mais de 10% eram de peixe. Porém, o peixe tinha também alguma importância no contexto da alimentação sobretudo entre as classes mais pobres.

Entre as classes mais ricas, o consumo frequente de pescado estava muito associado a prescrições religiosas. Estas prescrições, que proibiam o consumo de carne por todos os católicos em cerca de sessenta e oito dias por ano, levavam à sua substituição por pratos de peixe ou de marisco. Nestes dias de jejum, para além de ser obrigatória a abstinência de carne, estava também proibido o consumo de peixes gordos, ovos, queijo, manteiga, banha e até de vinho.

O peixe era consumido principalmente fresco ou salgado, sendo por vezes também consumido seco ou defumado. Entre os camponeses o mais consumido seria a sardinha, sendo também frequente a pescada (“peixota”). Entre as classes mais abastadas, era habitual o consumo de outras espécies, tanto de mar como de rio, entre as quais: lampreia, congro, linguado, sável, salmonete, azevia, ruivo, pargo, solho, besugo, cação, rodovalho, truta e goraz. Comiam-se ainda carnes de baleia e toninha e diversos moluscos e crustáceos, salientando-se as amêijoas, o berbigão, a lagosta, o caranguejo e ostras.


No Mediterrâneo a pesca apoiava-se num património de conhecimentos e técnicas herdadas do período Romano: redes fixas e barreiras, combinadas com lamparilhas, jábegas, trasmalos, caladeiras ou grandes redes que se colocavam nas albufeiras e nos rios e com as quais eram capturados peixes que subiam os cursos de água, como o salmão ou o sável.

A demanda em cada estação específica segundo o calendário Cristão, especialmente durante a Quaresma criava uma tensão entre consumidores e revendedores, acusados de açambarcar o pescado. Uma cultura gastronómica como a da Europa do Sul, influenciada desde o período Romano pelo "garum" apreciava certamente o gosto por vários tipos de pescado, de preferência fresco, pelo que este era uma necessidade. Durante a noite o pescado fresco era transportado para as cidades: esturjão, salmão, linguado, lampreia (para as mesas reais), espadarte, peixe-espada e atum (mais caros), sardinha e carapau (mais baratos), é portanto óbvio que a necessidade constante deste alimento explique a rápida integração da pesca na economia mercantil medieval. Significativo da importância do pescado nessa época foi o facto do peixe ser usado como moeda de troca entre os Senhores feudais e os camponeses, sendo comum que o pagamento da renda da terra fosse feito em peixe ou óleo de peixe.



AS ESPÉCIES PISCÍCOLAS DAS COSTAS EUROPEIAS:


A primeira questão que apraz equacionar prende-se com a necessidade de se perceber quais seriam as espécies piscícolas que se capturavam em tempos medievos. Como descrito acima, alguns autores debruçaram-se sobre a questão, elencando algumas das espécies com que se foram deparando na análise da documentação que apontava a captura de atum, golfinhos, toninhas, espadartes, corvinas, baleia, coral e sável, enquanto outros autores referem as espécies pescadas em alto-mar, apontando a pesca de atum, espadarte, congro, pescada, raia, corvina, anequim, pargo, baleia, golfinho e toninha; a pesca realizada em águas de média profundidade que incidiriam sobre o roaz, a coca, robalo, cavala, escombro, sardinha e polvo; e a pesca realizada junto da costa, mormente nas desembocaduras dos rios, capturando-se essencialmente linguado, azevia, dourada, cação, crustáceos e moluscos.



A VIDA DOS PESCADORES:


Para que nas cozinhas as mãos das mulheres pudessem arranjar e confeccionar o pescado para depois os oferecer à mesa, tanto de ricos como de pobres, seria necessário o trabalho dos homens para que com as mais variadas artimanhas e instrumentos o pudessem capturar. Assim, seria necessária dedicação e força para a construção de inúmeros barcos e utensílios para a arte da pesca nos rios ou nos mares.

Não poderemos precisar quando surgiu verdadeiramente o ofício de pescador, que pensamos que na Idade Média seria actividade complementar. A maioria dos estudiosos deste tema tem a opinião que o camponês que se dedicasse à pesca fluvial também se dedicaria à terra, e que o pescador de mar, porque este é mais exigente, já se especializaria. No século XIII, os camponeses Ingleses, Franceses, Castelhanos ou Portugueses complementavam os seus trabalhos agrícolas com as actividades piscatórias, “cujo produto, depois de pago o foro ao senhor e a Deus, serviria para alimentar algumas bocas ou converter-se numas quantas moedas, que melhor os ajudassem a viver.

Outros registos revelam que poderiam existir homens unicamente dedicados a esta actividade, principalmente junto de centros populosos, mas em épocas que impossibilitariam tal actividade, o mais viável seria a dedicação ao sector agrícola como complemento, parecendo não existir uma regra, variando conforme a conjuntura da época e de cada região a exclusividade ou complementaridade da actividade piscatória.


Muitos são os privilégios ou as isenções que a este ofício estava reservado. A documentação régia assim o dita, transmitindo-nos que a actividade piscatória era fortemente proveitosa e considerada em quase toda a Europa costeira devido à grande necessidade das cidades em abastecer a população de pescado. Assim se justifica que desde muito cedo os pescadores usufruíssem de privilégios e de protecção régia.



MEIOS E MODOS DE PESCAR:


Importa então fazer uma breve enumeração dos meios e aprestos empregados na pesca. Tal como existiam diferentes espécies piscícolas em água doce como salgada, também se conhecem diferentes tipos de embarcações e técnicas piscatórias para a captura do pescado de rio e mar.

Sobre as embarcações, a documentação refere vários tipos e, possivelmente, em cursos de água doce mais largos e profundos deveria utilizar-se o mesmo tipo de embarcação que no mar. Porém, em rios mais estreitos e rasos decerto o uso de barcos de grandes dimensões com a utilização de redes seria inviável, optando-se por embarcações mais pequenas. Existem, nas fontes tratadas, referências aos barcos utilizados na arte da pesca e dos quais não se sabe exactamente como seriam, desconhecendo-se as características exactas das embarcações fluviais da Idade Média, sendo que nos “cursos de água mais amplos não deveriam diferir dos modelos ainda em uso ou existentes até há pouco tempo na pesca costeira como o saveiro, a rasca, o calão, etc.” De resto, nos documentos estudados utiliza-se o mesmo tipo de expressão, como barco, barca ou navio, para a designação da actividade piscatória, tanto de rio como de mar. Fiquemos com a informação dada por Armando Castro, que embora não caracterize nenhuma embarcação, distingue “três tipos principais de embarcações de pesca marítima: pinaças, barcos ou barcas e caravelas (cogs), tal como as "almadravas" (tipo de navio) Sicilianas, os barcos especializados na captura do arenque, que levavam entre 10 a 20 marinheiros cada e necessitavam de um elevado investimento.


Assim, será mais seguro afirmar que a utilização de cada embarcação seria ditada pelas características das espécies que se capturavam, tanto em cursos fluviais, perto da costa ou em mar alto. Por outro lado, a variedade de barcos, por si só, é demonstrativa da importância da actividade piscatória e do desenvolvimento da construção naval na Idade Média. Quanto a aventuras marítimas, é certo que os pescadores arriscaram a ir cada vez mais longe das suas terras em busca de pescado e começaram- no a fazer no decorrer do século XIII.


Para além dos barcos, o pescado para chegar às mãos de quem os vendia e posteriormente às cozinhas seria capturado das formas mais diferenciadas. E encontram-se largamente mencionados nos documentos algumas curiosidades sobre as técnicas empregadas na sua captura. As mais primárias encontra-mo-las descritas em águas fluviais, como a que alude a que não se varejasse ou se apedrejasse o rio. Já a "ramada" consistia na colocação na água de vários ramos de árvores para que os peixes neles se enredassem, ou simplesmente, seria a água fustigada com estes. Pior método seria o da "troviscada" ou "entroviscada", em que se lançava trovisco, uma planta, à água envenenando todo e qualquer peixe. Este método era bastante prejudicial para o equilíbrio da fauna aquática uma vez que matava indiferentemente peixe graúdo e miúdo, tanto mais que o seu emprego foi proibido em França por Luís IX em 1254, em Inglaterra por Eduardo I em 1276, ou em Portugal por Afonso III em 1265. A pesca nos rios matando o peixe com trovisco, barbasco ou outras ervas era tão vulgar, que a obrigação de fornecer ao rei, ou ao senhor da terra, nas suas pescarias esse meio de destruição, constituía, quando menos ainda no século XIII um encargo trivial para certos pescadores.

Pescava-se também com armadilhas, como as vargas, também chamadas de “abbargas”. As abargas seriam constituídas por caniços ou sebes entremeados, que retinham os peixes, que por vezes eram aí mesmo vendidos. Fazemos alusão também a nassas e covos, que mais não passavam de grandes cestos de vime entrançado ou de fio de cânhamo de boca larga e que iam estreitando até à ponta.


Mas também se pescava de outra forma, sendo certo que as técnicas ao longo dos séculos foram evoluindo, mas não querendo dizer que se deixassem estas, mais rudimentares e abusivas, de lado. Assim, pescava-se “à linha, com ou sem anzol, ou até à mão”, e utilizavam-se inúmeras redes e barcos. A pesca por cana, menos rentável porque não permitia capturar mais do que uma unidade por anzol, proporcionava pelo contrário peixes inteiros, ilesos, mais aptos para a conservação.


Logo, o peixe apanhado por cana era mais caro do que apanhado com rede. As redes referenciadas são inúmeras: assim os tresmalhos, constituída por três malhas, como o seu nome indica, já eram utilizadas desde o século XII. Encontramos referências nos documentos a outro tipo de redes, como os "armuzellos", não se sabendo as suas características.

Era também costume proibir-se as redes para pescar em cursos fluviais. A utilização de barcos possibilitava a pesca quer à linha ou com redes, que tantas vezes podemos ver nas iluminuras. Este último método podia ser utilizado no mar ou nos rios embora nestes, apenas nos mais largos e profundos, logo, navegáveis.

Existiam outras formas de capturar o pescado, através de pesqueiras, canais e poços. Representavam estas formas de pesca um direito exclusivo de um senhor das terras e controlavam-nas a Coroa, os grandes senhores laicos e eclesiásticos.

Uma pequena nota ainda para os viveiros artificiais de peixe e usada para aquacultura de pequenas proporções, pesca recreativa ou propósitos puramente ornamentais eram de uso comum em mosteiros e castelos, para comunidades pequenas e parcialmente autossuficientes. Com a imposição da Igreja de que em determinados dias não se poderia comer carne, tais viveiros eram especialmente úteis.



DIREITOS E IMPOSTOS DA PESCA:


Os mais antigos códigos de leis marítimas são o "Rhodos nomos nautikos" (séculos VIII/IX) e o "Kitaab Akriyat al-Sufun".


Das pescas os soberanos retiravam vários direitos que poderiam ceder, na sua totalidade ou em parte, ao Clero, à Nobreza ou às autoridades urbanas. Quanto aos direitos senhoriais que seriam cedidos pelos reis, provinham sobretudo dos direitos da dízima que arrecadavam sobre o pescado. Não raro, porém, fomentavam mesmo a pesca no rio em determinados locais, como foi sempre sua preocupação obter cartas régias que lhe confirmassem os direitos piscatórios.

As primeiras informações sobre o lançamento de impostos sobre o pescado provêm das cidades da Liga Hanseática e datam desde os inícios do séc. XIII, consistindo geralmente em 10% da mercadoria, a metade era paga pelo vendedor e a outra metade pelo comprador. Os pescadores que traziam o peixe, quer do mar ou do rio, teriam que pagar os impostos que incidiam sobre o produto da pesca, e depois, no acto de venda, a sisa. Pelos registos, observamos que se exigia o pagamento da sisa simultaneamente com as dízimas. Os réditos da pesca não eram desprezados por reis e senhores. Esta actividade engrossava as suas riquezas, “servindo de estímulo à fixação das pessoas no litoral, ou de benefício para os senhores das terras, atravessadas ou localizadas junto dos cursos de água.


A pobreza dos marinheiros também implicava a aplicação de um sistema proporcional que contabilizava o uso do equipamento (barco e redes) e da mão de obra, dividindo-se o pescado em partes proporcionais. O capital financeiro acaba por se infiltrar neste negócio e leva uma boa parte dos lucros: em Bolonha, por exemplo, um armador cobrava 44 por cada 100 arenques da captura.

A Coroa e a Igreja exigiam outra percentagem a seu favor: 20 por cada 100 do pescado desembarcado, do qual um pouco menos de 10 por 100 correspondia ao "dízimo", e era também a Coroa que reservava a emissão de licenças de captura. Em relação a isso é curiosa a maneira como os pescadores Portugueses do século XIV e XV contornavam estas obrigações: vendendo o pescado aos seus melhores clientes, os Aragoneses, em alto mar, evitando assim pagar os impostos devidos assim que chegassem à lota.


NOÇÃO DE MAR TERRITORIAL:


Desde a segunda metade do século XIII, a actividade piscatória estabeleceu-se como um dos comércios mais lucrativos do período medieval na Europa, pelas razões já mencionadas anteriormente, entre outras, devido ao aumento da população verificada desde os séculos XI a XIV. Há medida que os barcos de pesca marítima começaram a se aventurar cada vez mais longe das zonas costeiras, começaram a surgir disputas sobre zonas de pesca entre pescadores de diferentes regiões. O caso mais paradigmático aconteceu com a Liga Hanseática entre 1280 e 1282 quando esta, considerando que os pescadores da cidade de Bruges não respeitavam os limites de pesca na zona do Mar do Norte, decidiu transferir a sua feitoria para a vizinha cidade de Ardenburgo, situação que levou a que as autoridades urbanas de Bruges não tardassem a ceder, oferecendo novas condições altamente vantajosas.


No Direito clássico o mar não era territorializado. Contudo, desde a Idade Média, as repúblicas marítimas da Itália procuraram estabelecer uma base jurídica para o exercício de sua autoridade no mar pois, a partir do século XIV, já haviam obtido a supremacia marinha contra os piratas sarracenos e outros países cristãos e então procuravam consolidar no direito o que já possuíam de fato. Preocupavam-se também em cobrar impostos sobre a navegação, preservar para si a pesca, policiar suas costas contra piratas etc. Outros Estados passaram a reivindicar uma zona marítima, como Flandres. No entanto, seria apenas no século XVI que se afirmaria plenamente a jurisdição do Estado costeiro sobre um mar territorial.

Houve progressiva ampliação das prerrogativas dadas aos estrangeiros, bem como, nessa época, a navegação do Mediterrâneo e no Mar do Norte adquiriu extraordinária importância económica e estratégica, originando diversos regulamentos de natureza consuetudinária que durante séculos haveriam de presidir as relações comerciais marítimas.

Salientamos que é nesse período que as cidades marítimas da Itália tentam estabelecer uma base legal para o exercício de sua autoridade no mar, ou seja, jurisdicionar sobre ele, ou mesmo uma parte dele, porque já tinham nos séculos XII e XIV consolidado o seu poderio na luta contra os piratas sarracenos e os Estados cristãos, seus rivais.

Além dessa razão, outras surgiram, tentando justificar a criação de um mar extensivo ao território – o mar territorial: a glosa do livro sexto das Decretais – Liber sextus Decretalium Bonifacii VII cum glosis (1294-1303); a reivindicação das 100 milhas de largura de Veneza (cabe lembrar a cerimonia anual celebrada pelo Doge de Veneza, que anualmente celebrava seu matrimónio com o Mar Adriático, reafirmando sua soberania sobre ele com as seguintes palavras sacramentais: “Desposamus te, mare in signum veri perpetuique domini”, para, em seu poder soberano, poder cobrar tributos aos navios, ter o direito exclusivo de pesca e o controle na navegação; a reivindicação em Flandres de uma zona marítima denominada "stroom", reconhecida pela França e Inglaterra; acordos de pesca; códigos provinciais, entre muitas pertinentes à época.

Conclui-se daí que inegavelmente é o mar territorial, como noção jurídica, uma criação do período medieval.


- Pedro Alves.



Fontes bibliográficas e informação adicional sobre o tema:


Sandra Gomes - Tese de Mestrado em Alimentação–Fontes, Cultura e Sociedade, apresentada à Faculdade de Letrasda Universidade de Coimbra


Rodrigo Dominguez - Dissertação de Mestrado em História Medieval apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto



2件のコメント


marcelomelloramos
2022年6月01日

Boa Noite, gostei muito do texto, parabéns.

Cheguei ao seu texto para tentr tirar uma dúvida que tenho.

Na época das navegações existem relatos de fome, etc nas caravelas quando a comida acabava, sejam por problemas diversos ou simplesmente porque a vigem demorou mais do que o previsto.

Porque eles não pescavam? Eles não conseguiam pescar em alto mar?

Seria uma solução simples mas pelo visto não é, qual o problema na pesca em uma caravela?

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pedroalves3012
2022年6月02日
返信先

Boa tarde, obrigado por ter apreciado o texto e pelas dúvidas apresentadas. Na época das navegações também pescavam em alto mar sim, e temos referências disso (inclusive um episódio engraçado de um tubarão que saltou para o convés de uma nau quando o estavam a tentar puxar com a linha de pesca), mas não era a principal alimentação dos marinheiros, e sim a carne: tanto a seca e salgada como a fresca, já que também levavam gado vivo a bordo. Os relatos de fome aconteciam mais aquando das primeiras viagens de exploração, quando o cálculo dos víveres a levar para a viagem saíam errados. Quando as rotas e tempos de viagem passaram a ser conhecidos com rigor, deixou de ser…

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© 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2022, 2023 por José Dorropio

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